Como a Galeria do Rock se tornou ‘o berço da contestação na cidade’, segundo síndico e filho

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Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o síndico da Galeria do Rock, Toninho, e seu filho, Marcone Moraes, defenderam que o espaço no centro de São Paulo continua relevante.

CDs, vinis, camisetas e até sapatos raros são exibidos nas vitrines das lojas da Galeria do Rock. O lugar, que já virou ponto turístico, foi inaugurado em 1963. Pouco mais de uma década depois, Antonio de Souza Neto — conhecido como Toninho — abriu uma loja de fotografia.

Em meio ao tráfico de drogas e brigas entre tribos urbanas, o lojista — jornalista por formação — viu a Galeria na pior forma. Ele decidiu tomar as rédeas em 1993, quando lutou pelo cargo de síndico e reforçou a segurança do espaço.

Toninho e seu filho contaram a história que viram diante de seus olhos sobre a Galeria do Rock em um restaurante inaugurado há pouquíssimo tempo. O Galeria Rock Bar fica no subsolo do prédio, logo à primeira direita para quem chega pela Avenida São João. Com estética industrial, capas de LPs coladas no teto e uma área generosa, o Rock Bar oferece um cardápio bem brasileiro, com preços acessíveis e pratos completamente preenchidos por comida.

O empreendimento foi criado por Marcone Moraes, filho de Toninho. Bem articulado, ele explicou como o sonho de se tornar um diplomata, instigado por Vinícius de Moraes, foi substituído pela vontade de permanecer ao lado dos pais e se manter na Galeria do Rock.

“Tudo o que eu tinha em mente era viajar com meus pais, ficar com minha família, constituir uma família… Voltar para meu berço. Por que eu faria toda essa volta se eu podia conviver com meus pais — o mais próximo de amor incondicional que temos na vida?”, ponderou.

Relevância após mais de meio século de existência

(Foto: Heloísa Lisboa)

Segundo Marcone, o centro da cidade perdeu público, “nos últimos 30, 40 anos”, para outras regiões, como a da Avenida Paulista e de Pinheiros. Para ele, a Galeria foi um dos impulsionadores desse alastramento: como o lugar fechava relativamente cedo aos sábados, seus frequentadores — parte moradores da periferia — preferiam se deslocar para outras áreas, como o Baixo Augusta, enquanto aguardavam a abertura de baladas. Para dar conta da demanda, outros espaços culturais e de entretenimento foram abrindo as portas.

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As lojas também precisaram atender à demanda de gêneros musicais em ascensão. Nos anos 1990, a música eletrônica tomava força e, por isso, comércios voltados aos clubbers nasceram aos redores da Galeria, que já não comportava novos lojistas. Com a chegada do CD, vendedores focados em vinis foram para a Galeria Nova Barão, onde ainda se concentram lojas de artigos relacionados à música.

No fim, ninguém saiu perdendo. “É uma expressão da sociedade”, pontuou Moraes sobre as mudanças urbanas. “Vemos essas nuances de forma muito positiva.”

Nem a pandemia de covid-19 conseguiu afetar significadamente a Galeria do Rock. Marcone admitiu que, graças às vendas online, muitos comerciantes puderam dar continuidade aos seus empreendimentos mesmo durante o período de quarentena. Ele ainda lembrou que o acesso à internet no Brasil é uma conquista recente. Na sua adolescência, “a grande comunicação entre as tribos acontecia través dos fanzines”.

“Da forma que você podia, ia atrás de informações sobre as bandas que gostava — às vezes por meio de revistas internacionais que chegavam ao Brasil — e ficava trocando esses flyers com outras pessoas”, contou. Moraes atribuiu a transformação do público da Galeria do Rock à velocidade que a comunicação atingiu com o passar dos anos:

Com a internet, a coisa ficou mais rápida. Antigamente, o cara que frequentava a Galeria curtia metal e até a vida adulta dele continuava curtindo metal. Nas novas gerações, o cara começava curtindo metal, depois virava punk, depois skatista, depois ‘MC qualquer coisa’. A Galeria foi muito importante para que as pessoas se encontrassem e pudessem interagir. Quando os opostos se encontravam, era briga. Mas, como aqui era o único lugar onde elas eram aceitas, elas faziam as pazes. A transição foi quase imperceptível por causa da forma como a gente se comunica, como a gente se movimenta, como a gente cria conhecimento.

Hoje, a taxa de ocupação da Galeria do Rock é de 93%. Os preços dos aluguéis são estabelecidos por cada proprietário. “A liberdade está em nosso DNA”, afirmou Marcone. Por isso, há espaços de 15 m² que podem custar R$ 10 mil ao mês e outros, do mesmo tamanho, apenas R$ 800.

Ocupar o centro da cidade

(Foto: Heloísa Lisboa)

O dono do Galeria Rock Bar acredita que o centro de São Paulo “talvez seja o único lugar do estado em que há pessoas de baixíssima renda convivendo com pessoas de altíssima renda — e elas não se estranham”.

O centro é o espaço mais democrático da cidade. Pessoas que moram nas periferias, em lugares que não são arborizados, onde não há construções com conceito arquitetônico bem feito, podem pegar um ônibus ou um metrô e ter acesso a centros culturais.

Marcone lembrou que, quando morava em Pirituba, bairro na zona norte de São Paulo, via suas tias indo até a Rua 25 de Março para comprar itens e revendê-los na periferia, “promovendo uma ascensão social”.

“Mas a gente perdeu esse protagonismo”, lamentou. “Por questões políticas e por falta de participação da população. A gente criou uma associação, a Pró Centro, para evidenciar ao poder público a necessidade e a importância do centro nesse sentido.”

Moraes chamou a atenção para as viaturas policiais encontradas “a cada esquina”, ressaltando que as iniciativas nascidas na Galeria do Rock estão surtindo efeito. “Conseguimos sensibilizar o poder público em relação à necessidade de segurança, porque aqui é um ativo híper democrático”, apontou.

O reforço de segurança na região que muitos evitam frequentar, principalmente à noite, e a gratuidade parcial da passagem de ônibus levaram a administração a cogitar a abertura da Galeria aos domingos. “Tivemos um aumento de público de quase 60% no centro de São Paulo”, revelou.

Demonstrando grande admiração ao pai, Marcone destacou que Toninho poderia ter seguido uma carreira acadêmica, na qual já havia dado os primeiros passou, mas se dedicou à Galeria do Rock: “Essa energia desencadeou tantas outras coisas boas”.

Alcunha

(Foto: Heloísa Lisboa)

O Centro Comercial Grandes Galerias recebeu a alcunha de Galeria do Rock do próprio público. No entanto, CDs de Taylor SwiftHarry StylesDua Lipa e outras estrelas do pop, por exemplo, podem ser encontrados no edifício. Há ainda lojas de piercing, estúdios de tatuagem e até um comércio que transforma astros da música em gatos estampados em roupas.

Portanto, a Galeria do Rock não é só sobre o rock. Ainda assim, Marcone não mudaria o nome do espaço:

Não é sobre o gênero, é sobre contestação. A Galeria do Rock é essa pedra de contestação. Manteria o nome, porque ela é o berço da contestação na cidade.

Heloísa Lisboa: Jornalista pela PUC-SP, por meio de bolsa integral do ProUni, com passagem pela Folha de S.Paulo. Ocasionalmente estudante de história da arte e cinema. Faço aniversário no mesmo dia em que Elvis e Bowie fariam.