Paralisação de obras nas unidades condominiais

Paralização de obras nas unidades condominiais
SUSPENSÃO DE OBRAS NAS UNIDADES CONDOMINIAIS DEVIDO A PANDEMIA COVID-19

Por: Stephan Gomes*

 

I – Introdução

Sem pretender contrariar o sagrado direito de propriedade consubstanciado na livre disposição do imóvel pelo condômino, estas linhas buscam tão somente apontar uma saída para um dos muitos pontos de atrito causados pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19), ajudando síndicos a fundamentar a proibição temporária de realização de obra não emergencial em unidade de condomínio edilício ou condomínio de lotes.

 

II – Circulação de pessoas

O condomínio edilício e o condomínio de lotes são obrigatoriamente formados por partes exclusivas (apartamentos, salas, casas, lotes), ditas unidades, e partes comuns ou área comum (portaria, corredores, garagem, ruas, etc.).

Quando um apartamento, casa ou loja está em obra, há obrigatoriamente a circulação diária de pedreiros, ajudantes, entregadores e, em alguns casos, o de engenheiros, arquitetos e veículos nas áreas comuns do condomínio, seja para entrar e sair da unidade, seja para receber e encaminhar ao local o material de construção, ou mesmo proceder a saída de entulho, que não deverá ficar acumulado em apartamento, sob pena de ameaçar a estrutura do imóvel.

 

 

III – A pandemia e o necessário isolamento das áreas comuns

A pandemia do COVID-19 está em todos os jornais desde o início do ano de 2020, e decretos e leis federais, estaduais e municipais dão conta da seriedade da situação atual.

As autoridades asseveram que tanto as medidas de isolamento quanto de quarentena (Lei 13.979/2020[1]) são necessárias ao “achatamento” da curva de contágio[2], pois quanto mais radical é a linha de subida no gráfico (pessoas infectadas x tempo), maior será o caos na saúde pública, podendo haver, nesse caso, a necessidade cruel de se decidir quem vive e quem morre nos hospitais, com prejuízo evidente de idosos e pessoas do grupo de risco.

 

IV – Notificação

Diante desse quadro de calamidade pública (Decreto Legislativo n°6, de 20/02/20[3]), a circulação de pessoas nas áreas comuns do condomínio deve ser impedida, uma vez declarado o estado de transmissão comunitária do coronavírus – COVID-19 em todo o território nacional (Portaria 454, de 20/03/2020, do Ministério da Saúde [4]), tratando-se de situação de força maior segundo Vólia Bonfim Cassar[5], pois assim são consideradas as ameaças epidemiológicas, ao teor do art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para isto, primeiramente caberá ao síndico notificar o titular da unidade, determinando a cessação temporária das obras, com o fundamento no art. 1.336, IV, do Código Civil (CC), que diz ser dever do condômino não prejudicar a saúde dos demais. Essa notificação poderá ser feita por protocolo em duas vias, por telegrama, com cópia a aviso de recebimento, ou por notificação extrajudicial, última hipótese por ser mais morosa.

 

 

 

V – NBR 16.280 e responsabilidade técnica

Na mesma notificação o síndico deverá conceder prazo não tão curto para que se lhe apresente plano de obra e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), conforme determina a Norma Técnica NBR 16.280, caso ainda não o tenha feito, pois com a resposta e a anotação técnica de engenheiro ou arquiteto, poderá o síndico ter certeza de não se tratar de obra emergencial, caso em que estaria isento de responsabilidade. Por obra emergencial se identifica aquela que busca impedir o risco a vida das pessoas – como a ameaça de um desabamento, ou considerável dano material iminente, como o rompimento de canos de água, gás ou pane elétrica. Se o condômino não suspender a obra, o síndico pode impedir a entrada dos trabalhadores, com base nos dispositivos legais já mencionados e nas normas do condomínio – Convenção e Regimento Interno, convocando assembleia assim que possível.

 

VI – Ajuizamento de demanda

Havendo negativa na apresentação dos referidos documentos, e tornando a situação dramática e sem acordo, o síndico deverá contratar advogado a fim de obter tutela judicial provisória de urgência cautelar, com liminar inaudita altera pars (sem a oitiva da parte contrária)[6], em ação de obrigação de não fazer, a fim de impedir obra nociva, fundamentado no art. 1.348 CC e art. 300 do Código de Processo Civil (CPC).

 

 

VII – Autuação pelo CREA e denúncia na Prefeitura

Há a possibilidade, ainda, do condomínio ser multado pelo CREA, de forma que o síndico deverá acionar o Conselho de Engenharia denunciando o proprietário e empresa ou profissional que estiver realizando a obra, abrindo processo junto a Secretaria Municipal de Urbanismo pela não apresentação do ART – vide processos n° 5092662-95.2014.404.7100 e 0018949-74.2015.404.9999.

 

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VIII – Multas

Por fim, insistindo o condômino em não suspender a obra, mantendo trabalhadores em sua unidade, entendo que foram ultrapassados os limites do direito de propriedade, evidenciados nos princípios previstos no art. 1.336, inciso IV do CC, norteadores da boa convivência condominial, à saber, sossego, salubridade, segurança dos possuidores e bons costumes, podendo, nesse caso, o síndico utilizar-se da multa constante na Convenção e Regimento Interno para penalizar o infrator, sempre dando o direito a recurso a assembleia, para ser exercido o contraditório e a ampla defesa.

 

IX – Inércia do síndico.

Caso o síndico se mantenha inerte, os demais condôminos e moradores poderão tomar as medidas individualmente, com base no art. 1.277 do CC, respondendo aquele por omissão.

 

 

 

X – Jurisprudência

A hipótese de ajuizamento de obrigação de não fazer, paralisando obra prejudicial ao condomínio pela não apresentação de ART possui julgados favoráveis em todo o país, em especial no Rio de Janeiro, como o a seguir transcrito[7]:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER COM PEDIDO LIMINAR. OBRA NOVA EM PARTE ESTRUTURAL DE UNIDADE IMOBILIARIA. CONDOMINIO EDILICIO. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA.

  1. Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto em face de decisão que, nos autos de ação de obrigação de não fazer, com pedido liminar, indeferiu a tutela de urgência pleiteada, que visava impedir a continuidade de obra em unidade de propriedade do réu/agravado, no condomínio edilício autor, ora agravante.
  2. À luz dos fatos narrados e das provas nos autos, verifica-se que o agravado iniciou obra em sua unidade, para alargar a escada que dá acesso ao piso superior, recortando a laje que o separa do piso inferior, em desconformidade com a convenção do condomínio e com a legislação de regência, uma vez que não foi providenciada a devida Anotação de Responsabilidade Técnica de Obra (ART), não sendo possível atestar a sua viabilidade e segurança.
  3. Considerando que a obra impugnada está sendo realizada em parte estrutural de edificação, podendo comprometer a segurança da mesma, restou evidenciada a probabilidade do direito, bem como a urgência da tutela pleiteada, uma vez que persiste o perigo de grave dano, enquanto perdurar a incerteza sobre a regularidade técnica da obra.
  4. Inexistência de risco de irreversibilidade da medida, ou mesmo qualquer perigo iminente ao agravado em decorrência da paralisação da obra.
  5. Provimento do recurso para determinar a suspensão da obra objetada na ação originária, até o julgamento final da ação originária, sob pena de multa.” (grifo nosso)

 

XI- Conclusão

Medidas de gestão nem sempre são simpáticas, mas em tempo de crise o remédio amargo da limitação de direitos pode ser necessário, principalmente quando a saúde e a vida da coletividade estiverem em jogo. Desta forma, concluo ser possível a paralização de obra em unidade condominial.

*Áquila Stephan Gomes:Advogado militante no Rio de Janeiro/RJ, síndico profissional, pós graduando em Direito Imobiliário pela Faculdade Cândido Mendes, sócio diretor da STEPHAN GESTÃO E ASSESSORIA IMOBILIARIA LTDA-ME.

 

 

Fontes:

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm
[2] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/03/20/a-importancia-da-curva-epidemica-para-conter-o-avanco-do-coronavirus.htm   acesso em 24/03/20 às 18:00
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt454-20-ms.htm
[5] https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/coronavirus-covid19-impactos-nas-relacoes-trabalhistas  acesso em 24/03/20 às 18:30
[6] https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/artigos/317933437/tutela-provisoria-e-o-novo-cpc-mudancas-significativas  acesso em 24/03/20 às 18:30
[7] Agravo de Instrumento n° 0059310-39.2017.8.19.0000 – Vigésima Segunda Câmara Cível do TJRJ, Rel. Des. Carlos Santos de Oliveira, Agravante: Condomínio Residencial Mondrian Life; Agravado: Marcos Massote Lima, pub. D.O. 12/04/2018

 

 

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