A CONFUSÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E O PRIVADO NO DIREITO CONDOMINIAL

A CONFUSÃO ENTRE DIREITO PÚBLICO E O PRIVADO NO DIREITO CONDOMÍNIAL

Iniciamos o presente debate, evocando as celebres palavras do grande mestre Miguel Reale¹: “Toda ciência, para ser bem estudada, precisa ser dividida, ter as suas partes claramente discriminadas”.

A manjedoura da democracia, que muito contribuiu para o direito, dicotomizou a ciência jurídica em dois grandes sub-ramos, sendo o primeiro, o público, que cuidava das coisas do Estado (publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat), enquanto, o segundo, o privado, seria pertinente ao interesse de cada um (privatum, quod ad singulorum utilitatem spectat).

Trazendo para a ótica atual, o direito romano carece de completude, que perpassa pelo ângulo de análise da relação jurídica, uma com enfoque no conteúdo, e outra ancorada no elemento formal.

Neste sentido, ao analisar o direito dos condomínios, e as normas, que tutelam as moradias coletivas, ao revisitarmos algumas dissertações por aí a fora, verificamos verdadeiros devaneios e confusões de institutos.

Utilizando-nos da classificação mencionada alhures, socorrendo-nos nas seguras lições do professor Miguel Reale, os condomínios edilícios, analisando em seu conteúdo ou objeto da relação jurídica, são interesses meramente particulares, onde existe posição de igualdade entre os indivíduos pertencentes daquela relação, portanto, indubitavelmente de direito privado.

Outro ponto, em que se pode verificar a relação de natureza privada que permeia o direito condominial, é através do estudo da natureza jurídica da norma condomínios, e para tanto, elegemos a convenção de condomínio, que assenta na posição hierárquica mais alta das normas internas das moradias coletivas, conforme as lições kelsianas.

Embora diversas interpretações sobre o tema, a convenção de condomínio é produto de vontade autônoma dos condôminos de determinada edificação, o que guarda relação com o direito contratual, fazendo lei entre as partes, que com seu registro 1 JÚNIOR, M. R. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. E-book. se torna oponível contra terceiro, conforme artigo 1.333 e seu paragrafo único do diploma material civil2.

Embora, na seara do direito contratual, com a emersão do dirigismo contratual, que trás para o direito civil questões como função social da propriedade, dignidade da pessoa humana, entre outros oriundo da teoria geracional de Vasak, que foram incorporados na constituição federal de 88 e acabam por mitigar o direito de propriedade, não nos parece que a liberdade de pactuar mesmo sob limitação estatal, tenha tirado de cena o caráter privado da norma condominial. 

Inclusive, o que reforça o entendimento acima é que entre as garantias fundamentais, “ainda”, verificamos o direito a propriedade privada3, como uma cláusula pétrea da carta magna.

Em verdade, o direito condominial é um desdobramento do direito real dos indivíduos que são titulares dos domínios, de determinada habitação coletiva privada, edificada sobre mesmo terreno, onde se dicotomiza entre unidade privativa e área comum.

Outro aspecto, que caminha no mesmo sentido das ideias aqui esboçadas, é que aos olhos pouco especializado na temática condominial, é comum verificarmos confusão com o direito público no exercício dos direitos do condomínio, que estão de forma genérica no código material civil e na lei de incorporação imobiliária, em especial em assembleias.

Faz-se confusão sobre a democracia, e o desdobramento do exercício do direito de propriedade. A democracia por definição popularesca da internet4, é um exercício do direito de cidadania, que em linhas gerais significa que o poder é do povo.

É certo que as normas internas dos condomínios emergem da vontade da coletividade, mas que nem sempre representa a maioria dos condôminos, podendo ser a maiores das unidades.

Melhor explicando, em condomínios existem vários perfis proprietários, existem aqueles que adquirem para morar, com aquele que usam as unidades como forma de investimento, como acervo patrimonial, explorando as unidades com rentabilidade através de aluguel, ou mesmo as construtoras, que muitas das vezes por questões mercadológicas de várias ordens mantém unidades em seu acervo patrimonial.

Muitas das vezes, esses proprietários com grande lote de unidades, podem decidir os destinos do condomínio, o que aos olhos do conceito do direito público, não configuraria um ambiente democrático.

Em conclusão ao proposto, o estudo nos conduz a clara ideia de que o condomínio se assenta na categoria de direito privado, influindo sob si as normas atinentes ao código material civil, lei de incorporação imobiliária e outro que dissertam sobre o direito real.

Corroborando com tal entendimento, foi proposto projeto de lei, o pl 3461/2019, que propõe alteração a lei 10.406/2002, que alterará o artigo 44, conferindo personalidade jurídica aos condomínios, passando de pessoa jurídica anômala, classificação da pelo STJ, para pessoa jurídica de direito privado, sacramentando assim o posicionamento que ventilamos para o momento. 

Diante de todo o exposto, o presente texto é uma mera reflexão sobre a confusão de especialistas, sobre o direito público e o direito privado, o mestre Miguel Reale, quando fala que são institutos distintos, cada qual com seus princípios.

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2 Art. 1.333. A convenção que consLtui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos Ltulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os Ltulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis. 3 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem disLnção de qualquer natureza, garanLndo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXII – é garanLdo o direito de propriedade; 4 Acesso em 10/01/2020 – haps://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia#:~:text=Democracia%20é%20um%20regime%20políLco,gover nação%20através%20do%20sufrágio%20universal. 

Miguel Zaim – advogado imobiliário e condominial.