Breves apontamentos sobre o contrato de síndico profissional e sua vinculação com o CDC

Uma das inovações incorporadas e assimiladas com o passar do tempo, em meio à administração de condomínios, foi o advento do denominado “síndico profissional“. Em verdade, a opção por este modelo de gestão, culminou por se intensificar com o advento do Código Civil de 2002, o qual em seu art. 1347 asseverou que “…a assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se” (grifo nosso).

Ao afirmar que o síndico, doravante, “poderá não ser condômino”, a legislação civil fez com que fossem abertas as comportas, desta feita, com claro e indiscutível fundamento legal, para que os condomínios pudessem passar a eleger “não proprietários” para gerir o seu patrimônio, sendo certo que somente o interesse econômico de terceiros poderia justificar o intento de determinadas pessoas físicas ou jurídicas de assumir a gestão e as inerentes obrigações vinculadas ao exercício da sindicatura.

Com esse estado de fato e de direito, inúmeros síndicos ditos “profissionais” passaram a se apresentar diante das assembleias condominiais, onde, uma vez eleitos, passaram a administrar condomínios, em substituição ao clássico modelo de síndico proprietário (morador ou não) ou “orgânico”.

Assim é que, em sua qualidade de terceiro, alheio à coletividade condominial, o síndico profissional passou a oferecer serviços de gestão condominial, de onde exsurgiu, para alguns, a concepção da necessidade de um contrato para trazer maior segurança às relações jurídicas subjacentes ou decorrentes do exercício da função.

Temos para nós, que tal contrato não se descortina como um requisito obrigatório, tanto pelo fato de que não é o ajuste negocial entre as partes que estabelece o vínculo obrigacional do síndico para com o condomínio, e sim a assembleia geral de condôminos que o elege, posto se tratar a eleição de síndico de um procedimento formal e solene, exigido pela lei como imprescindível e peremptório ato legitimador ao exercício regular da sindicatura, de forma que não se tem o contrato como o elo que estabelece o vínculo jurídico de síndico junto e perante o condomínio.

Destarte, seja o síndico orgânico (proprietário, condômino) ou dito “profissional” (não condômino, terceiro), temos que este último se institui pela eleição em assembleia geral de condôminos, e sua destituição, como regra, dependerá do sufrágio do coletivo assemblear, observando-se, com rigor, o princípio do paralelismo das formas.

Por óbvio que seguirão possíveis outras formas de extinção do mandato do síndico, tais como a renúncia, o término do mandato, o falecimento e a destituição judicial.

Desnecessário, portanto a formalização de contrato, visto que as obrigações do síndico estão delineadas nas competências legais previstas no art. 1348 do Código Civil, nas obrigações eventualmente adicionais previstas na convenção ou nas decisões da assembleia geral constantes de atas específicas, bem como na ata de sua eleição, onde poderão se fazer constantes deveres aditivos, assumidos pelo novo gestor, tais como os dias de plantão ou horários de atendimentos a condôminos, o valor de sua remuneração direta e até mesmo os  critérios de reajuste de seus honorários.

Independentemente de estar constando o rol adicional de deveres e obrigações do síndico empossado, da ata de eleição ou do contrato eventualmente celebrado com o condomínio, não poderá o gestor profissional se evadir ou evitar a consolidação do seu perfil jurídico de “prestador de serviços” sui generis, eis que a relação jurídica  estabelecida entre o síndico profissional e o condomínio, impõe o reconhecimento da aplicação direta das normas peculiares e próprias do Direito do Consumidor.

Assim, o síndico dito profissional, ao aceitar seu posicionamento como agente eleito (contratado expressamente ou não), seja ele pessoa física ou jurídica, assume, ato contínuo, o seu papel de “prestador de serviço”, enquanto o condomínio, por seu turno, se apresenta com a natureza de “consumidor”.

Ademais, algumas vantagens se abrem para o síndico que opta por celebrar o contrato formal, eis que, se de um lado, assume ele alguns deveres específicos, de outro norte, o condomínio igualmente assume obrigações para com o síndico profissional.

É o que se viu em decisão prolatada no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, em um caso em que um síndico profissional, tendo inserido cláusula de multa por “rescisão” antecipada no contrato, teve reconhecido este direito como lídimo, pelo Poder Judiciário. Como vemos:

TJ-SP – Apelação Cível: AC 10042636020198260271 SP 1004263-60.2019.8.26.0271 JurisprudênciaData de publicação: 07/10/2020 APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO dE COBRANÇA. SÍNDICO PROFISSIONAL ELEITO EM ASSEMBLEIA DE INSTALAÇÃO DE CONDOMÍNIO. ATO PLENAMENTE LEGAL E VÁLIDO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMPROVADA. RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO COM VIGÊNCIA DE DOIS ANOS. SITUAÇÃO CONTRATUAL QUE IMPÕE O PAGAMENTO DE MULTA EQUIVALENTE A TRÊS PARCELAS CORRESPONDENTES AOS HONORÁRIOS MENSAIS. DEVER DE PAGAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MODIFICADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. No caso em julgamento, o autor foi eleito síndico profissional para exercer os poderes que lhe foram confiados de administração perante o Condomínio-réu em assembleia de sua instalação. Em manifestação contratual escrita, as partes litigantes estabeleceram que, havendo rescisão antecipada por qualquer hipótese será devido, em favor do contratado (ora apelante), multa contratual equivalente a três parcelas do valor mensal do honorário, que será pago em parcela única em até 5 (cinco) dias a contar da rescisão. Com força vinculante direta, é verdade que esta manifestação de vontade não constou na ata de instalação do Condomínio; todavia, o contrato, mais o aditivo devidamente assinado pelos demais membros do corpo diretivo, tem inflexível comando objetivo de estabelecer a sanção contratual pela rescisão antecipada, não havendo como afastar o dever de quitação. Outro valor correspondente a horas trabalhadas foi pleiteado pelo autor, mas esta remuneração a que alega fazer jus receber não foi efetivamente comprovada nos termos pretendendidos.

Conclui-se assim que: a) o síndico profissional, uma vez eleito e empossado, assume um cargo eletivo específico de natureza privada e, ao mesmo tempo, a condição de prestador de serviços; b) o condomínio, diante de tal situação jurídica, posiciona-se como “consumidor”; c) da relação jurídica entre as partes, denota-se a incidência das normas consumeristas, eis que presentes os requisitos elementares da relação de consumo; d) o síndico profissional eleito pode ter ampliados os seus deveres, mas, no mesmo sentido, pode formalizar direitos subjetivos adicionais, vez que a liberdade contratual que orna as partes, assim o permite; e) tratando-se de elemento dispensável de per si, o contrato não institui o síndico profissional, mas sim a eleição que o legitima como gestor condominial, regularmente tutelado pelas normas de direito condominial insertas na legislação civil e nas regras internas do condomínio edilício.

Autor

Vander Andrade: Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

 

Fonte: Migalhas