Empregada que mora com o empregador pode utilizar as áreas de lazer do condomínio?

A “empregada”, que por força de contrato de trabalho, “mora” com o seu empregador e/ou familiares na unidade autônoma, tem o direito de utilizar as áreas de lazer do condomínio?

A discussão do tema tem trazido certo desconforto aos condomínios.

A “empregada” que, por força de contrato de trabalho, “mora” com o seu empregador e/ou familiares na unidade autônoma, não pode ter, como tal, o direito de utilizar as áreas de lazer do condomínio, segundo o magistério do Magistrado James Siano, nos seguintes termos: “Consta no art. 5º, II, da Convenção de Condomínio ser direito dos condôminos ‘usar e gozar das partes comuns do Edifício desde que não impeça idêntico direito por parte dos demais condôminos, com as mesmas restrições da alínea anterior’ (f. 196). …. Quanto à sala de ginástica o Regimento Interno do condomínio dispõe no item 25.5: ‘O condomínio recomenda que todos os condôminos e moradores, antes de utilizarem a sala de ginástica, se submetam à avaliação médica por profissionais habilitados, para certificar-se da ausência de quaisquer problemas de saúde que restrinjam ou impeçam a prática de exercícios físicos’ (f. 226/227). O termo ‘morador’, apesar da sua generalidade e atecnia, não pode ser interpretado além da expressão jurídica compossuidor. Quem reside no imóvel por força de contrato de trabalho não é compossuidor, mas sim detentora da posse ou fâmula da posse, porque a presença no apartamento está subordinada à sua condição de empregado, ainda que tenha sido construída com o passar do tempo uma relação também de afeto com o empregador. Apenas o condômino ou quem ostenta vinculação possessória com o imóvel pode usufruir das áreas comuns. Não há como interpretar de forma mais abrangente, uma vez que a Convenção de Condomínio já delimita em prol do condômino esse direito. Descabe interpretar norma de regulamento interno como se fosse mais extensiva do que dispositivo presente na Convenção ou mesmo de artigo estabelecido no Código Civil. A empregada, portanto, não faz jus ao uso impositivo da sala de ginástica, ainda que tenha sido autorizada pela condômina autora” (TJSP – Apelação nº 0150648-03.2011.8.26.0100 – 5ª. Câmara de Direito Privado – rel. Desembargador James Siano – j. 02/02/2015).

Há entendimento em sentido contrário: “Se você tem uma empregada que mora na sua casa, ali é o lar dela, então ela também pode usar as áreas de lazer. Agora, se ela vem e volta para casa dela, não’, disse” (Márcio Rachkorsky, Proibir famílias de zeladores de entrar na piscina do condomínio é ilegal, in “G1” <www.g1.globo.com>, 11/02/2014).

O questionamento, todavia, não pode ignorar o contexto fático, circunstancial, da espécie.

Assim, é preciso considerar o fato de que se trata de um edifício condominial, além de não se poder ignorar o princípio constitucional da igualdade, previsto no “caput” do art. 5º. da Constituição Federal de 1.988, nos seguintes e amplos termos: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: …”

Sobre tal direito e garantia individual, além de fundamental, preleciona JOSÉ AFONSO DA SILVA: “As constituições só têm reconhecido a igualdade no seu sentido jurídico-formal: igualdade perante a lei. A Constituição de 1988 abre o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput)” (Curso de Direito Positivo, 25ª ed., Malheiros Editores, 2005, pág. 211).

O texto constituticional, porém, não é, ainda, tão amplo como pode parecer, pois, como observa ALEXANDRE MORAES: “…. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal (Direito público: estudos e pareceres. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 59)” (Direitos Humanos Fundamentais, ed. Atlas, 2ª ed., 1998, pág. 92, n. 5.4) (grifo e negrito nosso).

Não sem razão, consta da Convenção de Condomínio analisado ser direito dos condôminos “usar e gozar das partes comuns do Edifício desde que não impeça idêntico direito por parte dos demais condôminos, com as mesmas restrições da alínea anterior” o que é perfeitamente legal, constitucional, pois nada existe de ilegal, inconstitucional, nessa cláusula convencional.

Efetivamente, é normal considerar “condômino” os moradores de alguma unidade condominial, inclusive o inquilino ou o comodatário, bem como seus familiares.

A mesma consideração têm recebido as pessoas convidadas pelo “condômino” em sentido lato (seus familiares, inclusive, evidentemente, do inquilino e dos comodatários).

Qualquer dúvida a respeito do sentido e alcance da expressão “condômino” poderá ser, normalmente, decidida em assembleia condominial.

Consequentemente, se o empregado doméstico, ainda que resida na unidade condominal, não tem sido considerado pessoa integrante da família (do condômino, inclusive do inquilino e do comodatário, por exemplo), não está em condições de fazer uso das áreas de lazer do condomínio.

É preciso, porém, atentar, principalmente nos dias de hoje, para o que dispõe o já mencionado art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

Não é possível, hodiernamente, ignorar a “igualdade de condições sociais”, distinguindo raças, empregos, religiões, etc.

Nesse contexto, sob pena de afrontar o princípio da “igualdade de condições sociais”, como referido por FÁBIO KONDER COMPARATO, o que é vedado é proibir um empregado doméstico por causa, por motivo, da pessoa ser “empregado” de alguma unidade condominial, mesmo porque, tal prática, demais de violar a cláusula geral de igualdade, pode ferir norma penal.

Posta a questão nesses termos, não há nenhuma ilegalidade de proibição de uso das áreas de lazer do condomínio, inclusive da piscina, por quem não esteja na situação mencionada no Regimento Interno do Condomínio.

O que se tem por ilegal, ilegítimo, inclusive em nível Constitucional, é proibir uma pessoa de fazer uso das áreas de lazer do condomínio, inclusive da piscina, apenas por ser alguém empregado do condomínio ou de algum condômino (inclusive o inquilino, o comodatário, etc.), embora morando no local do trabalho, como se viu.

 

FÁBIO HANADA – Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, coautor dos livros “A Lei do Inquilinato: sob a ótica da doutrina e da jurisprudência” e “Condomínio Edilício – Questões Relevantes: A (Difícil) Convivência Condominial”, Advogado nas áreas Imobiliária e Condominial há mais de 25 anos.