O síndico e o dever de comunicar aos condôminos e as autoridades a presença de morador com Covid-19.

O síndico e o dever de comunicar aos condôminos e as autoridades a presença de morador com Covid-19.

Muito se tem ouvido de síndicos e condôminos a pergunta sobre a obrigação de avisar autoridades e demais moradores acerca da presença de algum morador com a Covid-19[1], e de que modo tal comunicação deveria ser realizada.

A resposta é SIM!

O morador infectado, seus familiares que com ele residem e todos os que estão cientes da incidência do Covid-19 em uma unidade do condomínio, seja  apartamento, casa ou sala comercial, possuem a obrigação legal de avisar o fato ao síndico e as autoridades sanitárias da região e nestas linha buscamos esclarecer tal questionamento, sempre no sentido de ajudar o gestor condominial a proteger a comunidade dos condôminos e assim diminuir a incidência dessa doença que vem ceifando milhares de vidas e praticamente levando a pique a economia nacional.

 

 

Inicialmente, convém observarmos que o direito à saúde é considerado como fundamental, previsto nos arts. 6º, 194 e 196, da Constituição Federal, sendo dever não só do Estado, mas também de toda sociedade preservar a saúde da coletividade.

A despeito do direito à propriedade e de usufruto de áreas privadas, o interesse coletivo se sobrepõe ao individual, especialmente nas questões de saúde pública, que envolvem o direito à vida (Constituição Federal, art. 5º).

É importante ainda considerarmos que é dever do condômino não utilizar partes do condomínio de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores (Código Civil, art. 1.336).

 

DEVER DE COMUNICAÇÃO DE MOLÉSTIA CONTAGIOSA

Dito isto, entramos no cerne da questão: é dever de todos comunicar a presença de morador com a Covid-19? Muito embora a comunicação da ocorrência de suspeita ou confirmação de doenças consideradas de alta transmissibilidade seja obrigatória a médicos e profissionais de saúde, com a decretação do Estado de Calamidade Pública Nacional[2], e a edição da Lei n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020[3] tornou-se dever de todo cidadão brasileiro colaborar informando as autoridades possível contato com o vírus, conforme determina os arts. 5º e 6º desta lei. Confira:

Art. 5º Toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de:

I – possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus;

II – circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo coronavírus.

Art. 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação.

  • 1º A obrigação a que se refere o caput deste artigo estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.
  • O Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais. (grifo nosso)

Sem esse entendimento, a falta da comunicação aos órgãos de vigilância sanitária passa a gerar um sério problema que é a subnotificação, ou seja, uma considerável parcela de doentes com a Covid-19, tratados em sua própria residência, permanecerão fora das estatísticas oficiais.

De acordo com especialistas[4], devido às subnotificações, o número de doentes pode ser bem maior do que se imagina. E o problema da subnotificação é que ela sugere uma falsa ideia de controle da proliferação do vírus, o que pode levar a um relaxamento nas medidas de proteção.

 

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O DEVER DE COMUNICAR AO SÍNDICO

Com efeito, tornando-se excepcionalmente dever de todo cidadão brasileiro impedir a propagação do novo coronavírus (Sars Cov 2)[5], as partes comuns dos condomínios como portaria, corredores, garagens e principalmente elevadores, isto é, áreas de grande circulação de pessoas, sujeitas a aglomeração, podem e devem ser alvo de atos que busquem impedir a propagação.

Não é por menos que a obrigação de comunicar enfermidades contagiosas ao síndico está disposta na grande maioria das convenções dos condomínios, sendo comum encontrarmos a seguinte cláusula:

“Cada condômino se obriga por si, seus familiares, visitantes, prepostos, dependentes, sucessores, inquilinos ou comodatários a: …

Comunicar imediatamente ao síndico as ocorrências de moléstias contagiosas.”

 

Por sua vez, o síndico possui o dever legal de defender os interesses comuns e zelar pelo cumprimento da Convenção e do Regimento Interno[6]. A Lei n° 4.591/64 [7] acrescenta como dever do síndico exercer a administração interna da edificação no que diz respeito à segurança.

Não podemos esquecer que o art. 268 do Código Penal assevera que essa obrigação legal (impedir a propagação de doença contagiosa), caso infringida, poderá levar o infrator a cumprir pena de detenção de um mês a um ano, e multa, pois o bem tutelado, no caso, é a incolumidade da saúde pública.

Em artigo anterior, abordamos outro grande problema originado na falta de comunicação ao síndico sobre a presença de pessoas em tratamento doméstico contra a Covid19, ou seja, a necessidade de condicionamento e descarte especial do lixo produzido pelo infectado[8].

Nesse ponto, salientamos que o síndico deve proceder tratamento especial ao respectivo lixo, impedindo a proliferação da doença a empregados, garis e catadores.

DEVER DE COMUNICAR AS AUTORIDADES SANITÁRIAS

Observe que o § 1º do art. 6º da Lei nº 13.979, acima transcrita (item II), também se refere às pessoas jurídicas de direito privado, onde se incluiria os condomínios, quanto ao dever de compartilhamento de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus.

É verdade, porém, que condomínio edilício não possui caráter legal de pessoa jurídica, pois tal característica não lhe foi atribuída pelo Código Civil Brasileiro. No entanto, como determinados atos da vida civil o condomínio pratica em nome próprio (contratação de empregados e de prestadores de serviços, bem como a compra de bens), a doutrina e a jurisprudência entendem que para certos fins sua personalidade jurídica restrita pode exercer direitos e obrigações, como cumprir a legislação sanitária. Vide nesse sentido a Apelação Cível 0008052-41.2005.8.08.0024 e REsp. 829583/RJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi.

No Estado do Rio de Janeiro, a Nota Técnica nº 17/2020, da Vigilância Sanitária Estadual, diz que “Resultados positivos para Covid-19 devem ser obrigatoriamente informados ao síndico, que informará o fato aos demais moradores, preservando a identidade do morador acometido pelo vírus

Já o inc. VI do art. 6 da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1.977[9], diz que a falta de comunicação de doença transmissível ao homem é infração administrativa:

VI – deixar, aquele que tiver o dever legal de fazê-lo, de notificar doença ou zoonose transmissível ao homem, de acordo com o que disponham as normas legais ou regulamentares vigentes:

Pena – advertência, e/ou multa.

O mesmo dispositivo legal acrescenta que esse dever também é do proprietário de imóvel (inclusive condôminos):

XXIV – inobservância das exigências sanitárias relativas a imóveis, pelos seus proprietários, ou por quem detenha legalmente a sua posse:

Pena – advertência, interdição e/ou multa.

Da mesma forma a referida lei estipula que a competência de autuar e punir os infratores das normas sanitárias é das autoridades estaduais locais:

Art. 12. As infrações sanitárias serão apuradas em processo administrativo próprio, iniciado com a lavratura de auto de infração, observados o rito e prazos estabelecidos nesta Lei.

Art. 13. O auto de infração será lavrado na sede da repartição competente ou no local em que for verificada a infração, pela autoridade sanitária que a houver constatado, devendo conter:…

Art. 14. As penalidades previstas nesta Lei serão aplicadas pelas autoridades sanitárias competentes do Ministério da Saúde, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, conforme as atribuições que lhes sejam conferidas pelas legislações respectivas ou por delegação de competência através de convênios.

DEVER DE COMUNICAR AOS DEMAIS MORADORES

Por fim, o síndico deverá informar a incidência do Covid-19 no condomínio, a fim de que os demais condôminos e moradores acentuem seus próprios cuidados, como o uso de máscara, a desinfecção das mãos com álcool em gel ao utilizar maçanetas e botoeiras, bem como evitar o uso dos elevadores ou, caso necessário, não utiliza-lo com outras pessoas que não os de sua residência.

O condomínio também deverá tomar medidas mais enérgicas com relação aos cuidados, principalmente quanto a limpeza das áreas comuns e a vedação de trânsito de pessoas não residentes, o tanto quanto possível.

A utilização das áreas comuns deverá ser restringida a fim de evitar aglomeração e contágio.

 

DA PROTEÇÃO DA IDENTIDADE, INTIMIDADE E IMAGEM DO DOENTE

A comunicação aos moradores, no entanto, deverá ser suscinta e respeitosa, preservando a identidade do doente e o número de seu apartamento, casa ou sala comercial, para que não cause lesão de ordem moral e a imagem do mesmo e de seus familiares, acarretando possível ação judicial de reparação de danos, como permite a Constituição Federal em seu art. 5º, inc. V.

Veja que o que se pretende é evitar a exposição do morador doente ou em recuperação de uma vexação pública e intimidatória, inclusive contra o odioso bullying. Nesse sentido, o mesmo artigo 5º da Constituição prevê em seu inciso X[10] que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Tal direito, caso violado, é considerado como ato ilícito praticado por aquele que deu causa, conforme reza o art. 186 do Código Civil Brasileiro[11], resultando no dever de reparar o dano.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, concluímos que a comunicação de doença infectocontagiosa às autoridades e ao síndico é uma imposição da lei para proteção de todos.

Verificamos, ainda, que os Poderes da República estão cada vez mais dedicando uma atenção maior a função social da propriedade, onde os interesses da coletividade se sobrepõem aos do particular, principalmente quanto a segurança, o sossego e a saúde.

 

*ÁQUILA STEPHAN GOMES: Advogado militante no Rio de Janeiro/RJ – OAB/RJ. 91.528, síndico profissional, pós graduando em Direito Imobiliário, sócio diretor da STEPHAN GESTÃO E ASSESSORIA LTDA. [email protected] – WhatsApp (21) 98863-8706


 

[1] Nome oficial dado a doença provocada pelo Sars-Cov-2, que na realidade é uma sigla: CO – Corona (Coroa, em português), VI – Virus (Vírus, em português), D – Disease (Doença, em português), 19 (2019).
[2] Decreto Legislativo n°6, de 20/02/2020 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm
[3] Dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm
[4] https://www12.senado.leg.br/tv/programas/argumento/2020/04/subnotificacao-de-casos-de-covid-19-no-brasil-estamos-as-cegas-avalia-o-senador-marcelo-castro  acesso em 07/06/2020 – 19 h
[5] “Severe Acute Respiratory Syndrome COronaVIrus 2″, traduzindo para o português: Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2 – nome oficial do vírus descoberto na China em dezembro de 2019, escolhido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para facilitar a identificação em estudos científicos e diferenciá-lo de outros vírus da mesma família.
[6]  Código Civil, art. 1.348, incs. II e IV.
[7] Lei de Condomínios e Incorporação Imobiliária. Art. 22, § 1º, alínea B.
[8] https://sindicolegal.comha-doentes-com-o-covid-19-no-condominio-o-que-fazer-com-o-lixo/
[9] dispõe sobre as infrações à legislação sanitária federal, estabelecendo penalidades  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6437.htm   acesso 31/05/2020 – 20 hs
[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[11] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
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