Há muito que a doutrina especializada[1] sustentava a possibilidade do estabelecimento do condomínio de lotes ou condomínio deitado com fundamento no artigo 3º do dec-lei nº 271/67 que ao dispor ser possível a aplicação ao regime jurídico de loteamentos a lei 4591/64, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação. O referido dispositivo já seria o bastante, a nosso sentir, para viabilizar a aprovação e registro de um condomínio de lotes para todos os fins de direito.
Por essa visada, já seria possível a instituição de um condomínio horizontal que não teria por fim reconhecer como unidade autônoma um apartamento, sala, casa, isto é, uma edificação, mas sim um lote de terreno apto à edificação, isto é, dotado de infraestrutura básica para tanto, segundo os ditames da lei 4591/64 no que tange à incorporação imobiliária e da lei 6766/79 que disciplina a divisão do solo urbano, além, à toda evidência, da observância das normas edilícias da localidade em atenção à competência constitucional delegada aos municípios (art. 30, VIII e 182, CF).
A despeito da clareza, da existência de inúmeras leis municipais admitindo essa figura e até mesmo de recente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal[2] que reconheceu, com fundamento nos artigos 30, VIII e 182, da Constituição Federal, validade a lei do Distrito Federal que ordenava o espaço urbano e previa, dentre outras regras, a possibilidade do reconhecimento do condomínio de lotes, o fato é que outras decisões estaduais e registradores pelo país afora entendiam pela impossibilidade dessa figura jurídica, trazendo insegurança jurídica aos incorporadores e adquirentes de lotes no condomínio a ser instalado.
Na linha de raciocínio crítica ao condomínio de lotes de terrenos urbanos, é sempre bom lembrar a lição do professor José Afonso da Silva[3] que em brado de repúdio a essa figura, sustenta a sua inexistência segundo a ordem jurídica vigente, sendo, continua o autor, uma forma distorcida e deformada de especulação imobiliária, na qual o incorporador se vê livre do cumprimento das limitações, ônus e obrigações impostas pelo Direito Urbanístico constantes principalmente na lei 6766/79, inegavelmente mais rigorosa do que a lei 4591/64. Não há como negar a pertinência das reflexões apresentadas pelo eminente constitucionalista. Entretanto, parece-nos que a forma como o instituto foi positivado pela lei 13.465/17 extirpa essa preocupação.
Isso porque, a aludida legislação alterou o Código Civil no capítulo que trata do Condomínio Edilício, instituindo o artigo 1358-A, mas também fez alterações importantes na lei 6766/79 que trata do parcelamento do solo urbano, sem embargo da submissão à lei 4591/64 e ao próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
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Vejamos.
Por meio do Código Civil foi sepultada de uma vez por todas qualquer dúvida acerca da viabilidade da incorporação imobiliária destinada a venda de lotes no âmbito de um condomínio que se submeterá às regras e princípios previstos no Código Civil (art. 1331 a 1358-A, CC) e, no que couber, à lei 4591/64 que já impõe ao incorporador uma série de deveres prévios a serem observados para a aprovação e registro no cartório imobiliário do memorial de incorporação e a possibilidade de comercialização dos lotes de terrenos urbanos (v.g. arts. 31 e 32).
Pela via da lei 6766/79, a novel legislação incluiu parágrafo sétimo ao artigo 2º prescrevendo que “o lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes.”. Com isso, de modo muito explícito, a lei 13465, de 11 de julho de 2017 traz para o âmbito da lei de parcelamento do solo urbano toda a sua finalidade de salvaguardar, dentre outros, interesses pertinentes ao planejamento correto de ocupação da cidade, com a qualidade de vida dos seus habitantes e, é claro, a proteção ao vulnerável adquirente de lote, a quem também se aplicam, é de bom tom a lembrança, as regras e princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 2º e 3º).
Como exemplo da importância dessa extensão normativa do conceito de lote, podemos citar os parágrafos quarto e quinto do artigo 2º da lei 6766/79. O parágrafo quarto, pois preconiza que “considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.” O quinto por estabelecer que “a infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.”.
O fato é que o condomínio de lotes, em nada se diferencia das formas de estabelecimento de fracionamento da propriedade imóvel em que se possibilita, para o bom cumprimento da função social da propriedade, a convivência entre a propriedade condominial, perpétua e indivisível e as unidades autônomas que não terão por objeto mediato, obviamente, apartamentos, salas, casas, mas simplesmente o lote (art. 1331, §§ 1º e 2º, CC).
Enfim, ao incorporador competirá obrigações de infraestrutura do estabelecimento do condomínio como obrigação básica para disponibilizar os lotes de terreno à venda. Aos condôminos caberá, como lembra Chalhub[4], arcar com as despesas com limpeza, segurança, manutenção, vigilância e demais serviços no condomínio. Será a convenção como ato-regra que constitui o condomínio edilício o documento que ao lado da legislação definirá os direitos e deveres dos condôminos como só acontece em qualquer condomínio edilício. O condomínio de lotes, em suma, é um condomínio edilício sem edificação.
Fonte: GenJuridico
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