“Bico” de funcionário do condomínio e a dúvida do acidente de trabalho

Há alguns dias surgiu essa dúvida em um grupo do Whatsapp, dúvida esta que é recorrente na vida dos moradores, síndicos e administradores de condomínio.  Diante deste fato entendi por bem escrever este artigo para esclarecer sobre as ocorrências de acidente de trabalho em horário intrajornada.

Primeiramente, vamos deixar claro que empregado é a pessoa física, que presta serviço de forma não eventual, mediante pagamento, pessoalmente e mediante subordinação, conforme descrito no art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Agora, passemos aos aspectos da legislação condominial.

Importante se ter uma convenção de condomínio e/ou regimento interno que esclareça todos os pontos e partes da relação condominial. Nestes documentos devem aparecer não só os direitos e obrigações de condomínio, mas também as dos condôminos, funcionários e prestadores de serviço, servindo de uma espécie de Código de Ética.

Quando da contratação de qualquer funcionário é necessário dar conhecimento ao novo contratado o teor das normas internas do condomínio, preferencialmente mediante protocolo e arquivada em sua pasta de registro, bem como dar ciência de todas as alterações ocorridas na vigência do contrato de trabalho.

 

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Na convenção e/ou no regimento interno podem apresentar as vedações aos condôminos de requisitarem a prestação de serviço a funcionários, até mesmo para evitar conflito de interesse, mas muitos condomínios não fazem essa proibição por serem esses funcionários as pessoas que mais conhecem a estrutura predial e funcionamento local. O que coloco aqui não é se se legal ou não, vez que a lei é omissa e deixa a critério das assembleias as decisões deste tipo, logo, pode sim o empregado do condomínio prestar serviços particulares aos condôminos. Porém, o que nos intriga, que é objeto deste artigo, é a possibilidade ou não da prestação de serviço particular durante a jornada de trabalho, ainda que no horário de descanso.

Diante do exposto, se faz necessário esclarecer que o horário de descanso, também denominado de intrajornada, serve para recomposição do estado físico, psíquico e refeição do funcionário, apesar de não computar como jornada de trabalho, os acidentes nele ocorrido é considerado exercício da atividade laboral (Art. 21, §1º, Lei 8.213), sendo passível de apresentação de CAT nos órgãos competentes.

Importante ressaltar que a redução dos riscos inerentes ao trabalho cabe ao empregador, podendo este se valer de da lei para que o trabalhador exerça seu direito de descanso.

Para darmos continuidade ao que apresentamos na primeira parte deste artigo, importante relembrar que tanto o condomínio, o condômino e funcionário devem obedecer ao que estabelece a convenção e no regimento interno.

Quando houver clareza da proibição de atividades laborais particulares por parte do funcionário aos condôminos, seja ela de modo integral ou parcial, quero dizer, seja ela uma proibição independe se estiver ou não em sua jornada de trabalho ou apenas cabe ao síndico às medidas cabíveis e aplicáveis nas normas trabalhistas.

De forma a aprofundar o tema, o maior conflito surge quando o empregado do condomínio insiste em aproveitar o momento de descanso para fazer “bicos” ou confundir a atividade laboral do condomínio com suas atividades fora do contrato de trabalho.

Para evitarmos problemas como o que identifiquei em um grupo, necessário, além de uma boa convenção condominial, ter no contrato de trabalho a especificação da atividade a ser exercida pelo empregado e, preferencialmente, colocar a posição da proibição de exercer qualquer atividade laboral particular no período de descanso. Pois, diante de tanta segurança jurídica todas as partes envolvidas estarão resguardadas.

Importante salientar que, apesar do horário de descanso não fazer parte do computo da jornada de trabalho, os acidentes ocorridos no período intrajornada são capazes de gerar obrigação de Cadastro de Acidente de Trabalho – CAT.

Vejamos que o art. 21, IV da lei 8.213 ratifica que “os períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho”, ora, se o síndico é conivente em permitir que funcionários exerçam essas atividades, o condomínio passa a ser conivente e não atende ao direito social do trabalhador que vise a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Um caso clássico: imaginemos que um porteiro que também faz serviço de eletricista como bico. Imagine agora esse funcionário, em seu horário de descanso, tocando um ventilador de teto ou uma simples lâmpada e vem a cair de uma escada, causando-lhe danos que o impossibilite de retomar ao trabalho.

A primeira pergunta ao advogado ou administradora é: Devo abrir o CAT?

A resposta pode parecer simples mais vai muito ao encontro do que foi exposto acima. A convenção apresenta as vedações de exercício por parte dos funcionários e da requisição pelos condôminos? No contrato de trabalho tem as mesmas vedações?

Seguindo a leitura literal da lei, a resposta é que se deve sim abrir o CAT. Porém, defendo que pode se abster de abrir o Cadastro de Acidente, sob o argumento de que há previsão contratual expressa da proibição e que, quando há ciência do condomínio, imediatamente faz as anotações necessárias na pasta do funcionário, seja advertência, Suspensão temporária ou demissão, lembrando que nenhuma conduta desabonadora pode ser anotada na CTPS. Nestes casos, o condomínio não pode ser “penalizado” vez que o próprio funcionário deu causa ao acidente por ser insubordinado, ciente do risco e das ações constantes que o condomínio faz de conscientização, se assim o faz.

Lógico que medidas extremas podem acarretar em ação trabalhista na tentativa de reverter à decisão baseada em contrato de trabalho, cabendo ao judiciário dirimir a discussão.

Felipe dos Santos Moreira. Advogado. Pós-Graduado em Direito do Trabalho. Atuante em Direito Securitário e Consultoria de Condomínio.

 

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