A prática do crime de racismo e a expulsão do condômino antissocial

A prática do crime de racismo e a expulsão do condômino antissocial - sindicolegal

Em São Paulo, a condômina Elisabeth Morrone e seu filho foram ordenados a deixar o condomínio por comportamento antissocial. A expulsão não se deveu apenas a ofensas racistas, mas também a ataques discriminatórios registrados em vídeo. Em 2023, o Ministério Público denunciou Morrone por injúria racial e ameaça, resultando em processamento criminal.

Em caso recente julgado na Comarca de São Paulo, a condômina Elisabeth Morrone e seu filho receberam determinação de deixar o condomínio onde residem, mediante decisão da magistrada que houve prolatar sentença, da qual constam fundamentos afirmando estarem presentes os requisitos legais associados à conformação jurídica do denominado “comportamento antissocial”.

Diversamente do alegado por notícias e postagens em redes sociais evidentemente atabalhoadas e precipitadas, a expulsão da condômina classificada como “antissocial“, não decorreu exclusivamente da ofensa por ela proferida em tom evidentemente racista.

Em verdade, registrou-se sim, por meio de filmagem do circuito fechado do condomínio, imagens da condômina proferindo ofensas de índole discriminatória e preconceituosa direcionadas contra o humorista Eddy Júnior, residente no mesmo edifício da moradora.

De acordo com os registros videográficos, a vítima teria sido atacada com graves e aviltantes impropérios tais como “macaco”, “bandido”, “ladrão” e “imundo”.

Referido fato teria ocorrido no ano de 2022. De posse dos elementos indiciários, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia em 2023 contra a ofensora, classificando sua conduta típica como subsumida aos crimes de injúria racial e ameaça. Por seu turno, o Poder Judiciário, naquele mesmo ano, recebeu a peça inicial do Parquet, daí resultando o processamento criminal da acusada.

Em sede de defesa, a tese apresentada foi a de negativa geral, bem como a de recusa dos vídeos como prova apta a embasar possível condenação, tendo em vista a alegação de que os mesmos teriam sido submetidos a edição fraudulenta ulterior.

Por seu turno, o comportamento antissocial teria sido constatado pelo somatório de fatos e condutas antecedentes da citada moradora. De acordo com dados carreados aos autos pela administração do condomínio, ao longo de diversos meses, a coletividade condominial vinha sofrendo com o comportamento antissocial de Elisabeth e de seu filho, particularmente por força de ruídos intensos e ininterruptos, praticamente todas as noites, por meio de arrastamento de mobiliário e produção diversificada de barulho, impactando na geração de permanente estado de perturbação do sossego.

Teriam ainda sido aplicadas pela gestão condominial diversas multas à condômina, com a devida atenção para a regular consonância com os direitos fundamentais da acusada, em particular mediante a observância do direito ao contraditório, da ampla defesa e do devido procedimento legal, vinculado às diretrizes insertas na convenção condominial e no regimento interno.

Evidenciaram-se outros comportamentos transgressionais por parte da moradora, tais como ofender outros residentes, danificar e retirar páginas do livro de ocorrências, intimidar morador com facas e garrafa de vinho e acusar prestadores de serviços do condomínio de mentir em seu desfavor, o que teria ensejado até mesmo o registro de um boletim de ocorrência.

No corpo da decisão judicial, a magistrada menciona ainda a conduta do filho da moradora, o qual teria feito uso de uma faca para ameaçar o comediante Eddy Júnior.

Diante do questionamento da acusada quanto a validade das multas aplicadas em razão de violação às normas condominiais, a magistrada as examinou e discorreu sobre sua validade e pertinência, asseverando que referidas sanções não admitem anulação.

Em extrato da decisão judicial, observa-se que a juíza reconheceu o fato de que o “…exercício do direito de propriedade não é absoluto, tendo o proprietário o dever de utilizar a coisa de acordo com a sua função social (CF, art. XXIII) e, tratando-se de unidade autônoma em condomínio edilício, como no caso, necessária, também, a observância às regras contidas na convenção condominial, no regimento interno e nas deliberações da assembleia. E, neste particular, a convenção de condomínio prevê expressamente o dever dos condôminos de não utilizar sua unidade autônoma de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. E a impossibilidade de se conviver harmonicamente no condomínio permite que os condôminos adotem medidas de restrição ao direito de propriedade do antissocial.”

Consta ainda na sentença que a moradora deverá deixar o imóvel de residência no prazo de 90 dias, sob pena de serem impostas medidas coercitivas pertinentes, as quais poderão incluir o emprego de força policial.

Certo é afirmar que o comportamento racista evidenciado na conduta da moradora, de per si, altamente reprovável e censurável por todos os prismas que se possa conceber essa malfadada conduta típica houve se materializar como o ápice de uma série de práticas desrespeitosas e aviltantes da vida condominial.

Contudo, soa errático afirmar que a conduta racista da moradora teria sido a causa isolada e singular de sua expulsão. No caso em exame, a juíza da causa entendeu necessário prestigiar o conceito tradicional de que o comportamento antissocial deve ser aferido mediante a análise de uma série histórica e precedente de condutas transgressionais, reiteradas e protraídas no tempo, plasmadas pelo vilipendio à convivência harmoniosa que deve orientar a vida comunitária em condomínios edilícios.

Vander Andrade: Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

 

Fonte: Migalhas