No caso de hoje, trarei a tona um caso que aconteceu em um condomínio meu localizado em Indaiatuba, no interior de São Paulo e demonstrarei que os condôminos, proprietários de duas unidades no condomínio, em desrespeito às normas condominiais e à legislação pertinente, ocupavam indevidamente uma área comum do condomínio como se fosse uma garagem para estacionar veículo de sua propriedade, e claro, achavam isso correto e normal.
Ao final, sugeri ao jurídico encaminhamento ao contencioso para ajuizamento de uma Ação de Obrigação de Fazer com pedido de Tutela de Urgência. Mas querem a história desde o começo?
Vamos lá:
Os proprietários estavam suprimindo área comum do condomínio, tornando-a uma vaga particular deles, e assim contrariando o disposto na Lei, na Convenção Condominial e na Instituição de Condomínio, e a incorporação registrada em Cartório de Registro de Imóveis identificava 76 vagas autônomas de garagens, e notava-se claramente que não existia nenhuma vaga nº 77, numeração equivocadamente dada pela incorporadora àquela área comum.
O Condomínio questionou a situação e descobriu que a incorporadora havia firmado com os estes condôminos proprietários um “contrato de gaveta” onde criaram um negócio jurídico nulo. Inacreditável não é? Afinal, a incorporadora jamais poderia vender ÁREA COMUM!!!
Houve claramente má-fé na formulação do “negócio” mencionado, já que a incorporadora fez constar, na cláusula décima, que os “compradores” jamais conseguiriam a “escritura pública” de compra e venda, “por tratar-se de área reaproveitada”…
O QUE A INCORPORADORA DENOMINOU “ÁREA REAPROVEITADA”, NA VERDADE, ERA ÁREA COMUM A TODOS OS CONDÔMINOS E JAMAIS PODERIA TER SIDO “VENDIDA”.
O Condomínio, ao tomar conhecimento da situação e da documentação, notificou extrajudicialmente os condôminos em questão em junho de 2019, para que desocupassem a área comum do condomínio.
Mas o condomínio não foi atendido, foi ignorado e por isso a minha sugestão de uma ação judicial como o único meio de tentar restaurar aos condôminos sua área comum, indevidamente “negociada” entre terceiros, que dispuseram sobre bem que não pertencia a nenhum deles.
Além de a Convenção daquele condomínio especificar a proibição de usar partes comuns de modo a impedir o uso e gozo por parte dos demais condôminos (anexados aos autos todos os documentos que estou citando aqui, todos devidamente comprovados sempre), a incorporação foi clara na definição da quantidade de vagas de garagens autônomas, no total de somente 76 vagas.
Não bastasse a Convenção Condominial e a instituição de Condomínio, documentos registrados, o Código Civil em seu artigo 1.351, diz que para a alteração de área comum, há a necessidade de aprovação unânime dos condôminos.
“Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos”.
Notem que, com a supressão da área comum do condomínio ao transformar em vaga de garagem, tal ato acabou por embaraçar as áreas comuns.
O Código Civil, em seu artigo 1.335, II, define os dois requisitos para a utilização, pelos condôminos, das áreas comuns:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
(…)
II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
O uso que foi dado ao local por estes condôminos é vedado também pela lei 4591/64:
Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.
A Tutela de Urgência neste caso foi cabível pois mesmo após o condomínio demonstrar que a conduta estava em desacordo com as normas aplicáveis, os condôminos persistiram com uma conduta irredutível e beligerante.
Preciso trazer à tona que a jurisprudência não tem acolhido a conduta de apropriação indevida de áreas comuns condominiais:
“EMENTA CONDOMÍNIO AÇÃO DECLARATÓRIA
Decreto de improcedência Incontroversa a instalação de câmeras de segurança, pelo autor, em área comum do condomínio (hall)- Alegação de que é proprietário das quatro unidades do mesmo pavimento Irrelevância.
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Circunstância que não autoriza apropriação de área comum que tem uso delimitado pela convenção condominial – Improcedência corretamente decretada – Aplicação, na hipótese, do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça Ausência de fato novo – Desnecessária repetição dos adequados fundamentos expendidos pela r. sentença recorrida Precedentes Sentença mantida Recurso improvido.” (Relator(a): Salles Rossi; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 14/04/2015; Data de registro: 14/04/2015);
“AÇÃO DEMOLITÓRIA CONDOMÍNIO – OBRIGAÇÃO DE FAZER
Modificações efetivadas na área comum – Descumprimento de convenção condominial SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, para condenar ao desfazimento da obra RECURSO DA REQUERIDA IMPROVIDO”
(Relator(a): Flavio Abramovici; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/04/2014; Data de registro: 30/04/2014)
“Civil. Condomínio. Alteração de área comum. Pedido para a restauração de hall social e de serviço na forma anterior às mudanças procedidas. Sentença que extinguiu o processo com relação ao condomínio co-réu. Dever legal
de fazer cumprir as normas previstas na convenção do condomínio. Constatada a omissão quanto à preservação de área comum. Caracterizado o dever de também repor o espaço na forma anterior.
Recurso provido.’ (Relator(a): Boris Kauffmann; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/09/2008; Data de registro: 19/09/2008; Outros números: 1496094100);
Portanto, se o autor atuou à margem do que determina a convenção condominial e as normas legais pertinentes, indiscutível à possibilidade de imposição de multa, de acordo com o que determina a convenção. (…)”
O Condomínio já estava em prejuízo, e havia portanto a necessidade de rápida intervenção do Judiciário a fim de que a solução do litígio não fosse mais protelada como aqueles condôminos vinham fazendo.
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Assim, os pedidos na ação foram:
A ação foi ajuizada no início de 2021 com o pedido de tutela de urgência acolhido, porém ainda corre no Tribunal.
Sei que não podemos garantir o êxito mas, neste caso, com as provas inequívocas de ilegalidade e má-fé, acho difícil eles continuarem com a vaga de número 77.
Um forte abraço e até o próximo “causo” condominial.
—
Amanda Accioli: Advogada formada em 1996, pós-graduada em Direito Empresarial (Mackenzie), em Direito Público (Federal Educação) e em Direito Imobiliário (Escola Paulista de Direito). Possui formação complementar na área condominial, como de Administração Condominial e Síndico Profissional, de Direito Condominial e de Direito Imobiliário, todos pela Escola Paulista de Direito (EPD), entre outros. Hoje realiza trabalhos como síndica profissional e presta consultoria para síndicos de condomínios residenciais e comerciais, bem como atua como advogada consultiva condominial para grandes escritórios jurídicos. Membro da Comissão de Direito Condominial da OAB/SP e membro da Comissão de Direito Urbanístico e de Vizinhança da OAB/SP – Subseção de Pinheiros.
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