Prestadores de serviço enfrentam discriminação em condomínios do ABC

Prestadores de serviço enfrentam discriminação em condomínios do ABC-sindicolegal

O uso de elevadores em condomínios residenciais do ABC tem gerado polêmica, em razão das reclamações de moradores e prestadores de serviços que precisam utilizar elevadores “social” e “de serviço”. Com propósitos distintos, os elevadores possuem diversas proibições e orientações sobre o que pode ou não ser transportado em cada um deles. No entanto, a discriminação contra os profissionais que realizam trabalhos locais ainda persiste, apesar da lei estadual nº 10.313, de 20 de maio de 1999.

Em São Caetano, a advogada Elizabeth Presser, moradora de um condomínio situado no bairro Cerâmica, comenta que em seu prédio a única proibição se dá nos casos de carregamento e transporte de materiais para obras ou produtos que podem “sujar” o interior do elevador. “Quando recebemos algum prestador de serviço por aqui sempre o recebemos pelo elevador social, mas caso tenhamos algum tipo de obra o carregamento de materiais pode sujar o prédio, é preciso utilizar o de serviço”, conta.

Embora o condomínio tenha inibido outras segregações para acesso nos elevadores, a advogada comenta que em alguns casos vê empregadas domésticas e agentes de serviço circulando pelos andares do prédio por meio do elevador de serviço, mesmo sem necessidade. “Só não sei se é o caso dos donos de apartamento indicarem ou se existe algum tipo de ‘preferência’ para o uso desse elevador, mas já vi alguns casos específicos que usavam só o de serviço, mesmo podendo utilizar o social”, comenta.

Em Santo André, um prestador de serviço de uma companhia telefônica que prefere não ser identificado comenta que a discriminação com os profissionais da área existe e que são poucos aqueles condomínios que não segregam o acesso. “Muitas vezes vamos em prédios residenciais que têm muita regra a ter seguida, e isso dificulta o acesso até o cliente para que possamos realizar o serviço. Mesmo sem ferramenta, material que possa sujar ou danificar, somos impedidos de acessar o elevador social”, diz.

A recomendação repassada, em muitos casos, é que os prestadores de serviço utilizem somente o elevador de serviço para “desafogar” o fluxo no prédio, mas isso implica na rotina dos trabalhadores. “Atrapalha porque muitas vezes o elevador que sobe é o que está mais perto, e mesmo sendo o ‘social’ precisamos ignorar que ele está ali e esperar o de ‘serviço’, que na grande maioria das vezes é mais demandado porque as pessoas descem para levar o lixo, voltar da piscina etc”, relata.

Outro prestador de serviço, que prefere não ser identificado, afirma que a discriminação é comum em muitos condomínios. “Muitas vezes, encontramos regras que dificultam o acesso ao cliente, mesmo quando não transportamos materiais que possam danificar o espaço”, diz. A ordem é que prestadores utilizem apenas o elevador de serviço para “desafogar” o fluxo no prédio, o que dificulta o trabalho dos profissionais. “É frustrante, pois o elevador social pode estar mais próximo, mas temos de esperar o de serviço, sempre mais demandado”, relata.

Um colega de trabalho que também prefere não se identificar comenta que o problema se repete em todas as cidades. “Não é algo isolado e nem generalizado para todos os prédios, mas se repete em outras cidades e prédios específicos, principalmente aqueles situados em regiões mais nobres”, diz. Segundo ele, em muitos casos é preciso até descer a pé para a garagem para, somente depois, utilizar o elevador de serviço para acessar os apartamentos. “É comum abrirem outra entrada para nós, que dá acesso a garagem, para somente assim conseguirmos subir”, relata.

Jonathan Brado, morador de Ribeirão Pires, compartilha sua experiência anterior como motoboy, onde enfrentava desafios semelhantes. “Às vezes, me pediam para entregar na porta do apartamento, o que me fazia perder muito tempo esperando o elevador de serviço”, recorda. No caso de entregas de comida, o ex-entregador menciona até que foi orientado a usar o elevador de serviço para evitar o cheiro da comida nas instalações. “O porteiro me disse que o cheiro poderia ‘impregnar’ o elevador social ou a roupa de alguém que estivesse junto no elevador, o que é uma piada”, afirma.

Restrições e legislação

As cidades do ABC seguem a lei estadual nº 10.313, de 20 de maio de 1999, que proíbe qualquer forma de discriminação no acesso a elevadores de edifícios públicos e privados no Estado de São Paulo. Essa legislação se aplica a edifícios comerciais, industriais e residenciais multifamiliares. Contudo, algumas restrições podem ser aplicadas às normas de uso do equipamento, e incluem:

  • sobrecarga: é proibido exceder a capacidade máxima do elevador, garantindo a segurança dos ocupantes.
  • uso indevido: atividades que comprometam a segurança, como pular ou balançar, são vedadas.
  • dano ou vandalismo: qualquer forma de dano ao elevador é inaceitável.
  • prioridade a serviços de emergência: obstruir o acesso dos serviços de emergência aos elevadores é proibido.

Sobre a discriminação, Vander Ferreira de Andrade, advogado especializado em Direito Condominial, observa que a questão é antiga e envolve, também, a situação de empregadas domésticas. “Hoje, essa discriminação está proibida e abrange todas as formas, seja racial, de sexo, gênero ou classe social”, afirma Andrade, também pró-reitor de Administração e Planejamento da Fundação Santo André (FSA)

Vander comenta que é possível estabelecer normas internas para o uso dos elevadores, como horários específicos para mudanças, mas reforça que a discriminação não é aceitável. “Por exemplo, é razoável definir que animais de estimação usem o elevador social. Isso não está em lei, mas pode ser aplicado na regulamentação interna dos condomínios”, explica.

A AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo) também atua contra o tipo de discriminação. O presidente Omar Anauate destaca que a entidade tem a função de monitorar a legislação e auxiliar as associadas para evitar qualquer tipo de discriminação. E embora não tenha recebido denúncias recentes sobre o tema, a associação se coloca à disposição para atender os casos que surgirem. O telefone é (11) 3059-3372.

“A lei proíbe a discriminação, e é isso que seguimos junto aos nossos associados. Em cima do que foi estipulado em lei, orientamos, ainda, a instalação de placas de sinalização e segurança não apenas na cabine, mas na entrada dos elevadores e nas áreas comuns, explicando o uso dos equipamentos de acordo com suas necessidades, sem que haja qualquer tipo de discriminação”, completa Anauate.

O Sindeepres (Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração) foi procurado sobre o assunto, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.

Denúncia

No caso de denúncias de discriminação, os prestadores de serviço podem registrar a ocorrência no livro de ocorrências do condomínio; entrar em contato com o síndico ou administradora do condomínio (pessoalmente, por telefone, e-mail ou através de canal de comunicação disponibilizado pelo condomínio); registrar boletim de ocorrência e ligar para 190 (Polícia Militar) ou Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).

Fonte: Repórter Diário