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A PEC não é da privatização das praias: é a PEC dos Condomínios

Um dos grandes problemas dos debates públicos é que ganham rótulos. É o caso da chamada PEC da “privatização das praias”, um nome inadequado porque privatizar não é bom nem ruim em si mesmo e, no caso, não é a questão principal. A PEC é muito pior do que isso: abre a possibilidade para a criação e a transformação da costa brasileira e dos nossos rios e ilhas em condomínios privados, com a consequente expulsão dos brasileiros que vivem nesses lugares.

Mas não gosto de simplismos. Vamos analisar, com fatos e dados, os danos que tal legislação descabida poderia causar. Se aprovada, a PEC seria péssima por dois principais e fundamentais prismas: o social e o ambiental.

Será que já não bastam as desigualdades brasileiras para, em pleno século 21, enfiarmos goela abaixo do povo uma emenda constitucional que pode proibir nossa gente, na prática, de utilizar as praias, as mais belas partes de nosso lindo litoral, os encontros dos rios, os deltas, os igarapés, enfim, o que o Brasil tem de mais belo, nosso maior tesouro, o verde de nossa bandeira, e daí simplesmente passamos a discutir sem nenhum rubor na face que somente aos abonados a melhor parte do Brasil estará acessível?

A PEC irá incentivar invasão das áreas de preservação e destruição de manguezais, seja por especulação imobiliária, seja por atividades sem controle e fiscalização. Ou seja, será um retrocesso também ambiental.

O que se está propondo é a PEC do Condomínio: o litoral brasileiro inteiro, nossos rios, ilhas, tudo, vai virar um grande condomínio. Cercado, com muros. Cercas elétricas. Segurança privada. E os brasileiros? Bom, o país deles não será mais deles. Será anunciado em sites de corretoras por valores em dólar ou euros. Um ultraje.

A PEC dos condomínios chega a ser ainda mais bizarra quando é pautada enquanto 11 milhões de brasileiros sofrem as consequências da maior tragédia ambiental do país, no Rio Grande do Sul. Como é possível tamanha desconexão com a realidade?

Os que argumentam em favor da PEC, como sempre, pregam a bandeira do progresso, do desenvolvimento, do emprego, do turismo, das obras. Mas tudo isso pode ser feito com obras para preservar os efeitos das mudanças climáticas, com turismo sustentável, com respeito ao meio ambiente. A PEC quer mudar a forma de uso das chamadas “áreas de marinha”, espalhadas pela costa brasileira, incluindo as praias e o contorno de ilhas. Os moradores que ocupam essas áreas pagam uma taxa anualmente à União sobre o valor do terreno. A propriedade do imóvel é compartilhada na proporção de 83% do terreno para o cidadão e 17% para a União.

A PEC quer permitir a transferência da propriedade de terrenos litorâneos, atualmente sob domínio da União, para estados, municípios e proprietários privados. Na prática, vai expulsar os brasileiros simples de usufruírem quase de graça uma das poucas coisas que o Brasil pode lhes proporcionar: o Brasil!

Por tudo isso, o país que vai receber a COP 30, a Conferência Mundial do Clima das Nações Umidas no final de 2025, em Belém, ainda sob o impacto devastador do desastre do Rio Geande do Sul, não deveria sequer estar discutindo a PEC dos Condomínios e dos Resorts.

É absolutamente inadmissível, sob qualquer ponto de vista – e o ambiental já bastaria, mas o social é gritante neste caso – que se tente em pleno 2024 desapropriar áreas públicas, despejar milhões de brasileiros, privá-los de seu modo de vida, roubar o país que pertence a eles, a todos nós – em nome de um eufemismo, a privatização. É difícil, nos últimos anos, definir qual foi a proposta mais absurda e mais egoísta e sem empatia com o outro, com a totalidade dos brasileiros, com o planeta, apresentada no país. A PEC dos Condomínios tem pelo menos um mérito: já está na final do campeonato das piores ideias desses tempos sombrios que o Brasil está vencendo.

* Helder Barbalho (MDB) é governador do Pará

 

Fonte: Metrópoles

Luiz Davi

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