POSSIBILIDADE JURÍDICA DE COBRANÇA DE TAXA ESPECÍFICA DE CONDÔMINO QUE UTILIZA EXCLUSIVAMENTE ÁREA COMUM DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO

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Como sabemos, o condomínio edilício é um instituto jurídico, nominado e identificado pelo Direito Civil, cujos contornos e definições se encontram alinhados a normativas próprias que a ele conferem uma identidade e uma autonomia, enquanto ente jurídico frente às demais figuras associadas ao direito de propriedade.

Assim é que segundo o magistério de Arnaldo Rizzardo, o condomínio edilício se caracteriza

“…pela justaposição de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado do condomínio de partes do edifício, forçadamente comuns”.[1]

Desta conjunção e superposição, tanto de propriedades autônomas, exclusivas e privadas, com um espaço físico denominado “área comum”, forma-se um direito de natureza complexa, em que os proprietários, identificados como “condôminos”, atuam como exercentes de um direito de comunhão e de copropriedade sobre as partes que se apresentam como comuns e a propriedade delimitada de outras partes, reservadas para cada cotitular.

A norma de regência, de maior amplitude e incidência sobre referido instituto, na atualidade, é o Código Civil Brasileiro, cujo texto normativo disciplina as principais matérias relacionadas ao direito de propriedade sob a perspectiva condominial.

Destarte, os artigos 1.331 a 1.358 do citado diploma legal apontam para a existência de normas ditas gerais, aplicáveis à figura do condomínio edilício, sendo certo que tais dispositivos não chamam para si o caráter normativo com exclusividade, vez que o próprio Código Civil reconhece a força e o caráter cogente de outros instrumentos jurídicos complementares e suplementares à lei, assim identificados, de forma expressa no art. 1348 do códex civilista como sendo: a convenção de condomínio, o regimento interno e as decisões emanadas do colegiado de proprietários, regular e devidamente convocado dentro do modelo assim conhecido como “assembleia geral de condôminos”.

Não há assim, seja na doutrina, seja na lei, ou mesmo na jurisprudência pátria, qualquer ressalva ao reconhecimento do poder normativo de cada um desses instrumentos, não olvidando, ao certo, as ínsitas limitações que incorrem dentro de seu espectro de potencialidade normativa.

Com isso estamos a dizer que há se observar, por certo, uma evidente hierarquia entre os citados instrumentos, onde a Constituição Federal ocupa o seu ápice, daí se desdobrando os degraus hierárquicos da lei, na hipótese, as disposições do Código Civil Brasileiro, a convenção de condomínio, que deve obediência à lei, e o regimento interno, que deve se curvar aos comandos da convenção de condomínio.

Já as decisões da assembleia de condôminos, deverão ser reconhecidas como válidas e oponíveis “erga omnes”, especialmente quando aprovadas mediante a observância de quóruns gerais ou especiais, e publicizadas mediante registro em cartório de títulos e documentos, desde que não colidam com as normas anteriormente citadas, a elas se permitindo deliberar e decidir, tudo o que não for vedado pela norma constitucional, pela lei, pela convenção ou pelo regimento interno.

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Esse caráter normativo supletivo das decisões da assembleia do colegiado de condôminos é reconhecido de forma inequívoca e uníssona pela doutrina e jurisprudência nacional.

Rizzardo, à guisa de exemplificação, afirma que a assembleia pode normatizar o uso exclusivo de área comum, não se cuidando de alteração da convenção de condomínio, mas sim de deliberação incidente sobre matéria específica, situada nas balizas de seu âmbito discricionário decisional, e nesse mesmo recorte doutrinário, assevera não haver óbice legal no hodierno diploma civilista, diversamente do que ocorria no passado, quando da vigência da conhecida “Lei Caio Mário”, como vemos:

Entrementes, em assembleia, não se coíbe aos condôminos autorizar a utilização, em caráter de exclusividade, em favor de um ou alguns condôminos, das partes comuns do prédio. Isto, em especial, nos espaços adjacentes ou na entrada das unidades, que fazem adaptações para a transformação em pequenos halls. Restando espaços não utilizados próximos às garagens, costuma-se aproveitá-los, com pequenas adequações, para o uso individual. Ao tempo da plena regulamentação pela Lei n. 4.591/1964, a parte final de seu artigo 3º impedia a utilização exclusiva por qualquer dos condôminos, restrição que não constou no artigo 1.331, § 2º, do Código Civil, o qual passou a regular a matéria”. (grifo nosso)[2].

A todos os comunheiros e condôminos se autoriza o uso das áreas comuns, desde que obedecida e acatada com exatidão a finalidade que lhe é própria, e não ocorra a apropriação exclusiva para o proveito de uma ou algumas pessoas.

Estamos a falar, portanto de um direito subjetivo, que possui expressa previsão legal, o que pode ser confirmado pela simples leitura do inciso II do art. 1.335 do Código Civil Brasileiro, o qual identifica como prerrogativa imanente e inerente ao proprietário o de “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contando que não exclua a utilização dos demais compossuidores”. (grifo nosso).

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Ainda sob o escólio das lições de Arnaldo Rizzardo[3], observamos que a assembleia de condôminos possui legitimidade para decidir a respeito de eventual uso exclusivo de área comum, atribuindo ao usuário exclusivo, o dever de arcar com as despesas próprias do uso exclusivo, como podemos observar:

“Em situações especiais, quando não existe a utilização de uma parte comum, diante da omissão da convenção, à assembleia incumbe decidir sobre o modo de uso, inclusive a cessão para um interessado, a quem recaem as despesas, além do valor pelo proveito. A essa conclusão conduz o artigo 1.340: “As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.” (grifo nosso).

3 – DA JURISPRUDÊNCIA

Como dito anteriormente, o repertório jurisprudencial pátrio se descortina, de forma unânime, refratário à possibilidade de uso exclusivo da propriedade comum por quaisquer dos condôminos, sem que tal se faça sem algum tipo de contrapartida para os demais coproprietários, demandando, não raro, autorização para a propositura, até mesmo de ação reintegração de posse, havendo decisões que reconhecem a presença de “esbulho possessório” nesse irregular modo de uso da propriedade, como vemos:

TJ-MG – 200000051889780001 MG 2.0000.00.518897-8/000(1) (TJ-MG)

Jurisprudência • Data de publicação: 17/03/2006

CONDOMÍNIO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DE ÁREAS COMUNS – DESVIO DE FINALIDADE – VEDAÇÃO LEGAL E CONVENCIONAL. Sendo vedada pela lei e pela Convenção de Condomínio, autilização exclusiva das áreas comuns, procedem os pedidos de reintegração da posse formulado pelos condôminos. A ação é possessória e por força do artigo 922 do Código de Processo Civil, tem natureza dúplice, ou seja, o réu poderá, na contestação, pedir proteção possessória, e, assim não há como aceitar em reconvenção, principalmente pedido de cunho cominatório.

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TJ-MG – Apelação Cível AC 10000160560199002 MG

Jurisprudência • Data de publicação: 24/08/2020

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DE ÁREA COMUM DO PRÉDIO. TOLERÂNCIA. DISPOSIÇÃO REGIMENTAL QUE INDIVIDUALIZA VAGAS DE GARAGEM. ESBULHO COMPROVADO. – O uso exclusivo por um dos condôminos de parte da área comum configura mera permissão e tolerância, e este caráter precário é incompatível com o “animus domini” que pressupõe a prescrição aquisitiva – Se o Regimento Interno aprovado por Assembleia Geral Extraordinária prevê que a área comum passa a ser individualizada como vaga de garagens de cada unidade habitacional, a utilização exclusiva por um condômino de mais de uma vaga sem o consentimento do outro condômino evidencia o esbulho que suporta a procedência do pedido da ação de reintegração de posse.

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Também se faz presente na jurisprudência, extratos de decisões judiciais, reconhecendo o poder normativo e deliberativo das decisões assembleares, em particular, quando estas não colidem com as disposições legais ou convencionais, como vemos:

TJ-RS – Apelação Cível AC 70072681026 RS (TJ-RS)

Jurisprudência • Data de publicação: 27/03/2017

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL. COBRANÇA DE TAXA PELA UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DE ÁREA COMUM. RATEIO DA TARIFA DE ÁGUA DE FORMA PROPORCIONAL À FRAÇÃO IDEAL. POSSIBILIDADE. Constatado que a cobrança pela utilização exclusiva de área comum possui embasamento na assembleia geral do condomínio e no art. 1.340 do CC, resta afastada qualquer ilegalidade na sua instituição. Convenção de condomínio que apenas permite a utilização dessas áreas de forma exclusiva por moradores, nada dispondo acerca da proibição de cobrança pelo uso. Inexistência, portanto, de qualquer nulidade da assembleia geral que deliberou pelo reajuste no valor cobrado dos condôminos a tal título. No que tange ao rateio da tarifa de água de forma proporcional à fração ideal, em substituição à divisão pelo número de unidades habitacionais, de igual forma não se evidencia qualquer nulidade na assembleia geral que deliberou a respeito, pois embasada nos arts. 1.334, I e 1.336, I, do CC, assim como nos arts. 25 e 26 da Convenção Condominial. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.

  1. CONCLUSÃO

Como afirma Venosa, a Assembleia Geral dos Condôminos representa o poder legislativo do instituto condominial[4], razão pela qual se constitui, como aponta Miguel Zaim, “no órgão hierárquico supremo de decisão e de autoridade máxima, visando, sobretudo, a administração do condomínio e a elaboração de normas internas”.[5]

 

 

Vander Ferreira de Andrade.

Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio). Professor Titular de MBA em Direito Imobiliário das Faculdades Legale (São Paulo) e da Escola Superior de Direito (Goiânia). Autor de diversas obras jurídicas, destacando-se o “Manual do Síndico Profissional” (Editora Nelpa – São Paulo, 2.ª Edição, 2020). Atualmente é Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito e Gestão Condominial da Faculdade Legale, Vice-Presidente do Capítulo São Paulo da J. Reuben Clark Law Society (Sociedade Internacional de Advogados), Presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais e Pró-Reitor de Administração e Planejamento do Centro Universitário Fundação Santo André.

 

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