Condomínio pode exigir a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19?

Há pouco mais de um ano e meio o mundo enfrenta a maior crise sanitária global dos últimos tempos. A pandemia provocada pelo novo coronavírus (covid-19) tem devastado por onde passa. Esse pesadelo parece estar mais perto do fim; ditosamente, com a vacinação, a população mundial enxerga saída diante desse tempo sombrio e caminha para um futuro melhor.

Segundo a Fiocruz, vacina são substâncias biológicas que ao serem introduzidas no corpo estimula o sistema imunológico humano a produzir os anticorpos necessários para evitar o desenvolvimento da doença caso a pessoa venha a ter contato com o vírus causador.

Assim, e com o fim de evitar a disseminação do covid-19, alguns lugares de uso coletivo têm exigido de seus usuários a comprovação da aplicação do imunizante no combate ao referido vírus.

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Com efeito, essa exigência é corolário do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 6.586 e 6.587, e do ARE 1.267.879, que deliberou no sentido de que o Estado pode determinar a obrigatoriedade da vacinação, contudo, essa proteção compulsória não é forçada. Deste modo, a Corte firmou a seguinte tese de julgamento:

“(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.2 (STF. Plenário. ADI 6586/DF e ADI 6587/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski: Data de julgamento: 17/12/2020. Data de publicação:17/04/2021) (grifos do autor).

O indivíduo tem o livre arbítrio em tomar ou não a vacina, entretanto, a sua obrigatoriedade pode ser levada a efeito por meio de medidas e sanções indiretas, como restrições à utilização de determinados locais e espaços coletivos.

A despeito de tal entendimento, indaga-se, pode o condômino não vacinado ser proibido de frequentar determinados espaços nas áreas comuns pertencentes ao condomínio?

É premente que se deixe claro que a referida decisão não teve como objeto a seara condominial, entretanto, infere-se não haver óbice para a aplicação da atual posição do STF na propriedade horizontal: mutatis mutandi. Ademais, convém pôr em relevo, o dever do condômino de utilizar as unidades autônomas e as partes comuns de maneira a não prejudicar o sossego, salubridade e segurança dos demais possuidores (artigo 1.336, IV, do Código Civil).

Embora os brasileiros ou estrangeiros residentes ou de passagem pelo país assumam diretrizes em suas vidas da forma que lhe for mais conveniente, a proteção à saúde coletiva e a preservação da vida humana se sobrepõe as liberdades individuais e a Constituição assegura a prevalência da concreta proteção à saúde pública.

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Com isso, quer-se dizer que é plenamente possível que o uso das áreas comuns do condomínio – área de lazer, salão de festas e academias –  sejam frequentados apenas pelos condôminos que comprovarem a vacinação. Mas, é necessário clarificar que essa exigência é restrita somente a algumas partes das áreas comuns e comporta exceções, como a hipótese de haver uma contraindicação médica àquela vacina.

Neste sentido, as decisões que implicam cerceamento na esfera do homem-indivíduo, mormente do comunheiro, observam um conjunto de formalidades e, descumpridas, geram nulidade e até mesmo indenização a título de danos morais, razão pela qual é essencial convocar os condôminos em assembleia geral e entender a prevalência da vontade daquela comunidade.

Decidindo pela vedação ao uso de determinadas áreas comuns a quem não comprovar a aplicação do imunizante, o procedimento prosseguirá sedimentado nos preceitos de validade jurídica, a saber: os direitos e deveres fundamentais dispostos no texto constitucional, o diploma civil, e o ato normativo que orienta a vida em copropriedade, comumente, a convenção de condomínio.

Sob esse prisma, a normação dos comunheiros não poderá impor restrições a seus direitos dominiais, outras que não as exigidas para a adequada e razoável tutela ao bem da coletividade.3 Posta assim a questão, sobeja aos síndicos, responsáveis pela gestão do condomínio, em conjunto com o corpo jurídico garantir a correta aplicação das normas jurídicas, resguardando a massa condominial e o direito dos envolvidos.

 

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1 FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (Fiocruz), Ministério da Saúde, Brasil.

2 STF. Plenário. ADI 6586/DF e ADI 6587/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 17/12/2020, p. 3.

3 Marco Aurélio S. Viana. Manual do Condomínio Edilício. 1. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.34.

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Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos-Bio-Manguinhos. Vacinas: as origens, a importância e os novos debates sobre seu uso. 25 de julho de 2016. Acesso em: jul./2021

STF. Plenário. ADI 6.586/DF e ADI 6.587/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 17/12/2020. Acesso em: jul./2021.

VIANA, Marco Aurélio S. Manual do condomínio edilício. 1. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.


Elenise Éven Barros Chagas: Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus. Foi Procuradora Geral do Município de São Bento, Estado do Maranhão. Atualmente, opera no Direito Privado com ênfase no Direito Imobiliário e Condominial.

 

Fonte: Migalhas

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