O locatário tem direito a reembolso por obras feitas no imóvel ?

Em grande parte dos imóveis alugados no país é normal que os locatários acabem reformando a casa ou apartamento onde estão residindo, muitas vezes sem o consentimento do locador, o que pode ocasionar problemas futuros.

A lei de locação, garante ao locador em algumas hipóteses, notadamente as presentes nos seus arts. 35 e 36, que o locador deve indenizar o locatário em caso de benfeitorias, na seguinte forma:

“Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.”

Outra hipótese legal pra indenização por obras feitas pelo locatário é por acessão, que está definida no item V deste artigo.

II – Conceito de benfeitorias

Benfeitorias são todo melhoramento artificial feito em um bem móvel ou imóvel, que tenha por finalidade a melhoria e conservação, ou embelezamento de um bem. Se subdividem em benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias. Tal definição legal pode ser encontrada no art. 96 do código civil. Tais obras são consideradas bens acessórios ao bem principal.

“Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.”

As benfeitorias necessárias visam a conservação do bem e evitar a sua deterioração, como a realização pequenos reparos, pintura, troca do telhado danificado e manutenção das redes elétricas e hidráulicas.

As benfeitorias úteis tem como finalidade aumentar a utilidade o valor de um bem, como por exemplo a construção de um novo cômodo ou a abertura de uma garagem.

Por último, as benfeitorias voluptuárias tem como finalidade embelezar um bem e trazer mais conforto, e não aumentar o seu uso habitual, como a construção de uma piscina, de um chafariz ou jardim ornamental, ou até de um elevador, dependendo da finalidade do imóvel.

Por mais que a construção de algo com intenção de embelezar o imóvel possa agregar valor a este, não há qualquer necessidade de sua execução para aumentar o seu uso.

Porém, em determinados casos concretos o tipo de benfeitoria aplicado varia. Uma piscina em regra é uma benfeitoria voluptuária, pois não agrega nada na utilização do bem, só um mero deleite, mas torna-se uma benfeitoria útil se for construído em uma academia ou em um clube, pois de fato terá uma utilidade, pois é uma obra necessária para a atividade fim da pessoa jurídica.

É possível que o locador disponha no contrato de uma cláusula de renúncia em caso de benfeitorias, inclusive às necessárias, desde que seja levada ao conhecimento do locatário no momento da assinatura ou da aceitação do contrato, ou antes de sua alteração.

No caso da última hipótese, o locador ficará responsável pela indenização e respeito ao direito de retenção que o locatário fez jus antes da alteração, por força das garantias constitucionais do direito adquirido e do negócio jurídico perfeito.

Tal renúncia é prevista por meio de súmula de número 335 do STJ,

“Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.”

III – Quanto a regra geral das benfeitorias (Código Civil)

O Código Civil em seu art. 1.219 dispõe que o possuidor de boa-fé tem direito de ser indenizado em relação as benfeitorias necessárias e úteis, e o direito de retenção a estas, bem como o direito de levantar as benfeitorias voluptuárias, se esta não afetar a estrutura do imóvel e lhe diminuir o valor, embora sem direito de retenção.

Quanto ao possuidor de má-fé, a este somente cabe o direito de ser indenizado em relação as benfeitorias necessárias, mas sem o direito de retenção.

IV – Quanto a regra especial das benfeitorias ( lei de locação)

Em relação as locações de bens imóveis urbanos, que é prevista na lei 9.845/91, a regra geral das benfeitorias é afastada, pois tal norma determina um regramento próprio, no qual trás disposições diversas, embora semelhantes sobre o assunto.

Abaixo iremos analisar as consequências legais para cada espécie de benfeitoria nas locações de bens imóveis.

A) Obras necessárias

Conforme interpretação do art. 35 da lei de locação, o locador deverá indenizar o locatário por todas as obras realizadas por este que configurem benfeitoria necessária, por mais que o contrato seja omisso.

O art. 23 da lei de locação estabelece as obrigações do locador, e entre elas está a de devolver o imóvel no fim do contrato com as mesmas características que o imóvel apresentava quando tomou posse, não se levando em consideração o seu desgaste natural.

Pois bem, se o locatário perceber que o imóvel precisa de manutenções, e não tiver dinheiro para tal, deverá informar o locador sobre os problemas que surgiram no imóvel, salvo tenha dado causa ao dano, por interpretação do inciso IV do referido artigo, podendo ser sancionado se não o fizer.

B) Obras úteis

Em relação as benfeitorias úteis, o locatário somente pode realizar tais obras com permissão expressa do locador. Se este a fizer sem tal autorização, além de não caber a indenização e o direito de retenção previsto no art. 35, também poderá ser sancionado a indenizar o locador por descumprimento contratual, com base no inciso VI do art. 23 da lei.

Ressalta-se que o locador não é obrigado a indenizar o locatário ou a tolerar o direito de retenção se assim o dispuser no contrato, mesmo que as obras úteis tenham sido autorizadas expressamente por este.

C) Obras voluptuárias (embelezamento e conforto do bem)

As benfeitorias voluptuárias, em regra, não ensejam o direito de indenização pela obra e nem o direito de retenção, somente o levantamento das melhorias se não afetarem a estrutura do bem, conforme redação do art. 36.

Porém, da mesma forma que ocorre no caso das benfeitorias úteis, o locador poderá dispor o contrário, ou seja, poderá indenizar o locatário pelas obras e permitir o direito de retenção, se assim o quiser, por mais que ninguém o faça na prática.

V – Conceito de acessão

Acessão é todo acréscimo natural ou artificial sobre o bem que aumente o seu valor e acrescente área útil ao mesmo, sendo previsto no art. 1.248 do código civil. Trata-se de um meio original de aquisição de propriedade.

“Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

I – por formação de ilhas;

II – por aluvião;

III – por avulsão;

IV – por abandono de álveo;

V – por plantações ou construções.

A modalidade de acessão que importa para as locações de bens imóveis é a prevista no inciso V.

Diferente das benfeitorias, as acessões não são consideradas bens acessórios, mas o acréscimo a bens imóveis, seja por atos da natureza como atos humanos, como a realização de construções ou plantações.

Ressalta-se que o direito de indenização por acessão no imóvel locado pode ser mitigado por cláusula neste sentido, desde que seja expressamente apresentada ao locatário no momento de assinar ou concordar com o contrato, conforme entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo ao Recurso Especial EAREsp 714.292 – SP) no ano de 2015.

“Locação. Indenização. Ação julgada improcedente. Demolição de prédio e construção de outro no terreno. Pretensão à indenização pela acessão feita. Contrato que prevê cláusula de renúncia ao direito de indenização. Direito dispositivo.

Súmula 335 do Superior Tribunal de Justiça. Locatária que ainda ocupa o imóvel, ainda que com locadora diversa e que adquiriu os direitos sobre o bem locado. Não conhecimento do agravo retido e improvimento da apelação. (…) na cláusula 6 a estabelece: ‘A locatária se obriga a conservar o imóvel e fazer às suas expensas os consertos e reparos dos estragos a que der causa. Finda ou rescindida a locação, a locatária se obriga a restituir o imóvel com todas as benfeitorias nele existentes e mais as que nele venha a construir, as quais ficam de pleno direito incorporadas ao imóvel locado, inexistindo qualquer indenização.

Diante disso, forçoso concluir que a locatária renunciou expressamente a qualquer indenização, seja relativa a benfeitorias, seja relativa a acessões. É inegável que acessão e benfeitoria são institutos diversos e com regramentos próprios, mas, ainda assim, não há como acolher a pretensão indenizatória formulada pela autora.

Bem se vê que no contrato escrito, houve renúncia ao direito de indenização e assim poderia fazê-lo, cuidando-se de mero direito dispositivo. A propósito, nesse sentido é a Súmula 335 do STJ.

No mesmo sentido já se decidiu que ‘ainda que a construção do prédio em terreno locado possa ser tecnicamente considerada acessão, e não benfeitoria, válida é a cláusula contratual que exclui o respectivo direito de indenização, porque se cuida, em última análise, de estipulação envolvendo direito disponível'”(e-STJ fls. 745/746). ( STJ – EAREsp 714-292-SP (2015/0113477-9, Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, data do julgamento: 29/06/2015, Data da publicação: 05/08/2015)”

VI – Como comprovar tais obras

Apesar de o locatário ter direito a indenização pelas obras, desde que respeitado e cumprido o disposto anteriormente, é necessário que este tenha meios de comprovar que realmente as fez por suas próprias forças e com seus recursos, pra não incorrer na regra do art. 1.253 do código civil, que dispõe sobre a chamada “Teoria da Acessão”, que considera como feitas pelo proprietário do bem imóvel ou as suas custas todas as obras realizadas no terreno.

“Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-­se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.”

Tal presunção é relativa, porém, para ser comprovado que tais obras não foram feitas pelo locador (no caso o dono do imóvel) ou às suas custas, o locatário deverá dispor de meios que comprovem que tal obra ocorreu por meios próprios, como comprovantes de gastos, contratos de prestação de serviços com algum empreiteiro, arquiteto ou engenheiro, e outros documentos suficientes para tal.

Sem tais comprovantes de gastos e contratos é improvável conseguir comprovar a titularidade das obras, o que dificulta que o locatário seja indenizado, inclusive em relação às obras necessárias.

Em relação as acessões, estas também poderão ser indenizadas, notadamente no caso das artificiais, pois conforme entendimento do art. 1.255 do código civil, aquele que construir ou plantar em terreno alheio perde para o seu proprietário as suas plantações ou construções, salvo se estiver de boa-fé.

“Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.”

A boa-fé é relativa, e pode ser provado o contrário por qualquer interessado, desde que tenha meios para tal. Ocorre que mesmo que o locatário esteja de boa-fé, ou seja, se fez as obras com permissão expressa do locador, também deverá dispor de meios suficientes para comprovar a titularidade destas, conforme mencionado acima.

Conforme visto em seu parágrafo único, se o valor das construções e plantações ultrapassar o do imóvel original, este adquirirá a propriedade do solo, e deverá indenizar seu proprietário para fazer valer tal previsão legal.

VII – Conclusão

Portanto, antes de constatar se em determinada situação cabe direito de indenização por obras, seja por benfeitorias ou acessões, é necessário observar de forma criteriosa as cláusulas contratuais, o que foi acordado, mesmo que verbalmente, e o contexto fático, preferencialmente com o auxílio de um advogado capacitado para tal.

 

 

Fonte: Jusbrasil

 

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