O Direito dos animais na sociedade contemporânea e a concepção da família multiespécie

O presente artigo tem por objetivo versar sobre o direito dos animais na sociedade contemporânea e a concepção da família multiespécie, e para isso, primordialmente busca apresentar a evolução do direito dos animais não humanos, explicando como a relação entre os animais e os seres humanos era construída, além de apresentar o reconhecimento da senciência animal, e analisar como o direito brasileiro trata os animais não humanos, demonstrando com isso que os animais são merecedores de uma vida digna.

Busca ainda apresentar as questões relacionadas à relação entre os animais não humanos e os seres humanos, explicando quando de fato os animais passaram a ser domesticáveis até a contemporaneidade, abordando os aspectos da guarda responsável dos animais não humanos. Por fim, será analisada a concepção da família multiespécie, frente a sociedade contemporânea, abordando sua estrutura e suas consequências jurídicas em relação a guarda compartilhada, pensão alimentícia e o direito de convivência.

Palavras-chave: Animais. Família Multiespécie. Direito Animal.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar as questões referentes ao direito dos animais na sociedade contemporânea e a concepção da família multiespécie, tendo em vista que esse tema é de suma importância tanto para a sociedade como também para o âmbito do direito, tendo em vista o constante aumento no número de animais não humanos das mais variadas espécies que passaram a ser inseridos como efetivos membros da família, deixando as pessoas de terem filhos, para possuírem como companheiros de vida os animais.

Entende-se que nem sempre a relação estabelecida entre os animais não humanos e os seres humanos foi baseada nessa relação de afetividade, tendo em vista que nos tempos antigos o que prevalecia era o entendimento de que os animais vieram ao mundo apenas para servir as necessidades dos seres humanos, e por esse motivo foram por muito tempo destinado a fins práticos, sofrendo muitas vezes crueldades em decorrência da exaustão dos trabalhos forçados, pois muitos animais eram obrigados a transportar pessoas e grandes mercadorias, sem ao menos estarem alimentados.

Dito isso, o respectivo artigo pretende explicar as consequências da evolução da sociedade frente aos animais não humanos e como essa visão baseada no utilitarismo foi modificada com o passar do tempo, fazendo com que os animais se tornassem efetivos amigos e companheiros de vida dos seres humanos, além disso, busca ainda explicar a senciência animal dentro da perspectiva da evolução do direito dos animais até chegar à sociedade contemporânea, demonstrando ainda que o especismo encontra-se presente mesmo na atualidade.

Não obstante, explica que a domesticação dos animais teve início há muitos anos atrás, e que foi intensificada a partir da globalização, e sobre isso será estudado a mudança social frente aos filhos humanos e o que levou a concepção da família multiespécie, trazendo com isso o fundamento central e caracterizador dessa nova modalidade familiar e suas implicações legais, como é o caso da guarda compartilhada, do direito a pensão alimentícia e do direito de convivência.

Por fim, será estudado como o Poder Judiciário tem lidado com essas questões referentes a guarda compartilhada, oriunda da dissolução da família multiespécie, tendo em vista a ausência normativa dessas questões e de muitas outras, sendo necessária a criação de leis efetivas e de uma nova adequação do direito para melhor regulamentar e aplicar as normas em relação aos animais não humanos, a fim de garantir o direito dos animais a uma vida plenamente digna, sendo reconhecido e garantido o bem-estar animal.

2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DOS ANIMAIS

Os animais não humanos e os seres humanos sempre estiveram próximos, porém nos tempos antigos essa proximidade não era baseada em laços afetivos, mas no interesse do ser humano no que esses animais poderiam proporcionar a ele, portanto, o que predominava era uma relação de domínio do homem sob o animal não humano, tendo em vista que estes eram caçados em decorrência da sua carne e da sua pele, servindo apenas como alimento e vestimenta aos humanos, além do fato de que com o passar do tempo passaram a ser explorados no sentido de trabalhar carregando pessoas, mercadorias e participando de eventos em arenas e circos. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 14).

Portanto, nota-se que nem sempre a relação entre os seres humanos e os animais não humanos foram construídas pelo sentido de companheirismo e afeto, era criada propriamente na ideia de subordinação e domínio, ou seja, os animais eram vistos apenas como objetos úteis a atender as necessidades humanas, seja como alimento, roupa, segurança ou até mesmo empregado no sentido de transportar pessoas e mercadorias, e essa ideia perdurou por muito tempo, o que acarretou em uma intensa exploração dos animais não humanos.

A partir da revolução industrial fins do século XVIII, se intensificou a exploração dos animais, ou seja, Londres em decorrência dessa revolução sofreu um grande crescimento populacional o que demandou o aumento no número de abates para que tivessem alimentos suficientes para todos, além do fato do transporte de mercadorias que foi totalmente intensificado, necessitando que os animais carregassem grandes cargas, sendo mal alimentados, sofrendo muitas agressões físicas para que não parassem de trabalhar, portanto, esses fatos fizeram com que ficasse em evidência as situações em que os animais estavam sendo submetidos. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 14).

Com isso fica evidente o quanto os animais não humanos eram submetidos às mais diversas formas de exploração, sofrendo muitas vezes agressões físicas para que dessem conta do que lhes eram imposto, principalmente a partir da revolução industrial que com o aumento da população fez-se necessário o abate de muitos outros animais, além do fato da exploração de animais no transporte de cargas que eram de fato muito pesadas, causando a exaustão do animal não humano, que não podia descansar, não tendo muitas vezes se alimentado, portanto, eram condições precárias de tratamento aos animais, o que levou a sociedade a notar esses fatos, tendo em vista que ficaram em total evidência na época.

Não obstante, em decorrência dessas atrocidades que estavam ocorrendo, Londres foi a pioneira na criação de leis de proteção aos animais, o que resultou no estímulo dos outros países a também criarem leis nesse sentido, como foi o caso dos Estados Unidos que foram pioneiros nas leis de defesa ao bem-estar dos animais, a França criou o primeiro refúgio destinado aos animais abandonados, porém nota-se que essas leis protegiam apenas os animais domésticos, não havia uma proteçâo a fauna silvestre, o que acabou gerando crueldades contra estes, como é o caso dos touros que em alguns locais eram considerados domésticos e em outros não, o que dava abertura para a utilização desse animal em situações de crueldade, somente no ano de 1930 a legislação internacional de proteção foi aplicada aos animais selvagens. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 18-20).

Portanto, nota-se que em decorrência das grandes atrocidades que ficaram em evidência na cidade de Londres, ela se tornou a pioneira na criação de normas de proteção aos animais não humanos, dando incentivo aos outros países a também criarem as suas próprias leis destinadas aos animais, e foi o que de fato ocorreu, mas cabe ressaltar que demorou até que essas normas fossem de fato estendidas e aplicadas aos animais silvestres, e enquanto isso não ocorreu, grandes crueldades aconteceram com estes animais, pois somente no ano de 1930 passaram a ser devidamente protegidos por lei.

No Brasil, algumas cidades começaram a de fato se preocupar com o assunto, em São Paulo surgiu em 1886 a primeira norma protegendo os animais, conhecida como Código de Posturas, onde previa que os donos de carroças não poderiam maltratar os animais, porém embora previsse essa proteção, no concernente aos animais abandonados e sem raça definida permitia que estes fossem mortos, o que de fato demonstra que essa lei não protegia efetivamente os animais não humanos, pois permitia crueldades, em 1895 houve a aprovação e a promulgação da Lei Paulista 183 que protegia os animais de forma geral, diferente da lei anterior. (MEDEIROS, 2019, p. 90).

Com isso, fica evidente que a proteção aos animais não humanos no Brasil não surgiu de forma efetiva, detinha diversas lacunas, o que como consequência gerou a proteção de alguns animais e na crueldade de outros, o que só foi alterado com o passar do tempo e com a criação de novas legislações, mas o fato é que o Brasil passou a se preocupar com a proteção dos animais não humanos, e buscou criar normas que regulamentassem e protegessem os animais contra as crueldades que estes sempre sofreram desde a antiguidade.

No século XX foi criado o decreto 24.645 de 10 de julho de 1934 que foi o precursor do direito dos animais, tendo em vista que definiu como crime todas as condutas que fossem consideradas lesivas ao bem-estar animal, esse decreto foi de suma importância para o reconhecimento dos animais como merecedores de proteção, tendo em vista que tratou de diversas condutas que causavam crueldade contra os animais que antes eram omissas frentes as legislações, mas cabe ainda ressaltar que após esse período houve a aprovação da Lei de Contravencoes Penais que estabelece sanções para quem maltratasse os animais, além de que foi aprovado também a Lei de Proteçâo a Fauna que determinou a proibição da caça, em 1978 o Brasil se tornou signatário da Declaração Universal do bem-estar animal proclamada na UNESCO. (MEDEIROS, 2019, p. 92-95).

Nota-se que a criação dessas leis foi de suma importância para a proteção dos animais não humanos, inclusive o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 que trouxe o fato de que todas as pessoas possuem o dever constitucional de proteger o meio ambiente, inclusive os animais não humanos, ficando vedado quaisquer condutas que ofendam a sua integridade física, gerando condições de crueldade contra os animais. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 27).

Portanto, fica claro o quanto essas previsões normativas foram importantes para uma efetiva proteção animal, tendo em vista que o Brasil se encontra em constante evolução, estando a cada dia mais preocupado efetivamente com essas questões relacionadas aos animais não humanos.

Mas nesse sentido cabe ainda ressaltar que atualmente ainda existem diversas formas de crueldade contra os animais, um exemplo disso diz respeito a utilização destes em apresentações circenses, onde os animais selvagens são capturados ainda filhotes sendo inseridos em jaulas, retirando com isso a sua verdadeira natureza, ficando destinados a viverem com o circo até o resto de suas vidas, sofrendo por estarem longe de seu verdadeiro habitat natural, o que de fato pode ser considerado um absurdo, pois os animais nasceram para serem devidamente livres, e não para viverem presos como se fossem seres subordinados, portanto, essa conduta demonstra o quanto os seres humanos acreditam ser superiores aos animais não humanos, acreditando ter o direito de retirar a sua liberdade em prol dos seus interesses pessoais, o que de fato não está correto. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 84).

Outro exemplo dessas atrocidades ainda existentes é as touradas, a farra do boi e as brigas de galo, sendo que embora as touradas foram proibidas, ainda ocorrem em diversos Estados, e no que diz respeito às brigas de galo esta é considerada uma forma de atividade extremamente violenta, tendo em vista que antes mesmo de brigarem entre si, quando tem aproximadamente um ano de idade esse animal não humano tem cortada às penas de seu pescoço, coxas e parte das asas, o que demonstra a severa crueldade atribuída aos animais, além do fato de que ficam gravemente feridos e por esse motivo são abandonados logo após as brigas, sendo objetos de apostas em dinheiro. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 93-96).

O mesmo acontece com as experimentações científicas que hoje ainda acontecem, mas não deveriam, tendo em vista que o avanço da tecnologia já permite que os produtos sejam testados de outra forma que não em animais, tendo em vista que os animais não humanos sofrem muito quando são utilizados nessas circunstâncias, alguns ficam até mesmo cegos.

Com isso, nota-se a necessidade de acabar com essas situações, regulamentando e proibindo efetivamente essas práticas, pois embora a lei proíba os maus tratos contra os animais, é necessário leis que regulamentem efetivamente essas situações, e mais do que isso, que de fato sejam aplicadas e fiscalizadas, pois em muitos casos até já existem leis proibindo a farra do boi, por exemplo, mas é necessário a aplicação dessas normas a partir de uma fiscalização efetiva, o que de fato não existe, e se existe é mínima. Então, atualmente ainda está muito presente o que se denomina como especismo, ou seja, a ideia de subordinação e hierarquia entre os seres ainda está presente na atualidade.

Cabe ainda ressaltar que a necessidade de proteção dos animais não humanos se intensificou principalmente a partir do reconhecimento científico de que os animais são sencientes, ou seja, que são capazes de sentir as mais variadas formas de emoção, como é o caso do amor, da afetividade, da alegria, da tristeza e da dor. E nesse sentido, compreende-se que a dor ela é somente percebida por aquele que está sentindo, portanto, não cabe aos seres humanos julgar se o animal não humano está sentindo dor, pois só é possível comprovar esse fato se realmente o ser humano estivesse no local do outro para que pudesse experimentar aquele mesmo sentimento que está ocorrendo, sabe-se que o que é passível de percepção é as expressões externas que são estimuladas pela dor, portanto, os animais quando submetidos a situações de crueldade apresentam comportamentos que de fato são facilmente identificáveis como algo negativo, portanto, fica evidente que de fato os animais não humanos sentem dor, sendo comprovadamente sencientes, e portanto, são de fato merecedores do reconhecimento de direitos e proteção, e nesse sentido existe ainda uma comparação feita aos bebês humanos, pois se não fosse possível levar em consideração o fato de que os animais não humanos expressam suas dores a partir das expressões e mugidos, não seria possível realizar a mesma interpretação aos bebês humanos, tendo em vista que eles não falam, apenas expressam o que estão sentindo, e mesmo assim sobre ele o ser humano não se omite em dizer que ele está sofrendo, e o mesmo deveria ocorrer no caso dos animais não humanos. (SINGER, 2020, p. 24).

E nesse sentido, na opinião de SINGER (2020, p 14):

Se um ser sofre, não pode haver justificativa moral para deixar de levar em conta esse sofrimento. Não importa a natureza do ser; o princípio da igualdade requer que seu sofrimento seja considerado da mesma maneira como o são os sofrimentos semelhantes.

No sentido da senciência vários filósofos se manifestaram no sentido de compreender os animais como sencientes ou não. Para Voltaire, era necessário considerar que de fatos os animais são capazes de ter sentimentos, Descartes dizia que os animais não humanos não poderiam ser comparados com os seres humanos, pois para ele estes não possuem sentimentos, para Pitágoras os animais deveriam ter uma vida digna assim como os seres humanos e para Bentham, os animais possuem sentimentos e por isso são capazes de sentir dor. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 14-17).

Dito isso, nota-se que embora os filósofos da época tenham compreendido a senciência animal de formas diferentes, atualmente os animais não humanos assim como qualquer ser humano, são considerados capazes de sentir as mais variadas formas de emoção, e esse fato não deve ser ignorado ou rejeitado, tendo em vista a comprovação científica de que realmente são sencientes, portanto, todos os fatos até os dias de hoje trazidos demonstram o quanto os animais não humanos são merecedores de uma vida digna, e precisam ter os seus direitos efetivados, os deixando livres de toda e qualquer crueldade psicológica e física, pois os animais possuem o direito a plenitude de sua vida, com dignidade, liberdade, saúde e boas condições de vida.

Portanto, nota-se que a evolução dos animais ainda está ocorrendo, tendo em vista que o Brasil ainda é um país com legislações muito defasadas quando o assunto é o direito dos animais, pois é evidente que muito se alterou desde a antiguidade, muitas normas foram criadas, além do fato de que foi reconhecido a senciência animal, porém mesmo assim ainda existem muitas discussões e muitas situações de maus tratos presentes na sociedade contemporânea, o que precisa ser modificado, tendo em vista que os animais são de fato merecedores de uma vida digna, e a evolução mostrou isso claramente, pois a partir do momento em que os animais são vistos como seres detentores de uma capacidade, se torna impossível os tratar da mesma forma que nos tempos antigos, os explorando, pois não existe uma hierarquia entre o ser humano e os animais não humanos, é necessário compreender que os seres humanos não estão em um patamar superior, mas sim em uma igualdade, devendo os animais não humanos possuírem direitos assim como qualquer ser humano.

Nesse sentido, percebe-se a necessidade de uma grande mudança, mas não apenas no âmbito do direito, mas também perante a sociedade, pois além do fato de não existirem atualmente leis totalmente efetivas e de aplicabilidade plena, a sociedade precisa começar a agir e ver que os animais não humanos são seres que merecem o devido respeito, decaindo a ideia de superioridade entre os seres que sempre perdurou ao longo da história do mundo, visto que muitas das atrocidades que ainda existem nos dias atuais, derivam justamente desse entendimento baseado no antropocentrismo, ou seja, na ideia do homem como o centro de tudo, pois já ficou comprovado que os animais não humanos assim como os seres humanos possuem uma consciência capaz de sentir, e por esse motivo não é razoável que a sociedade continue pensando, agindo e sustentando essas ideias especistas. Além disso, no âmbito do Poder Judiciário nota-se a necessidade de novas leis que melhor regulamentem o direito dos animais, conseguindo os proteger de toda e qualquer forma de crueldade, sendo fiscalizadas e aplicadas sanções em decorrência das condutas que geram qualquer lesividade aos animais.

Não obstante outra questão que a evolução do direito dos animais trouxe para a sociedade contemporânea no âmbito do direito foi em relação ao tratamento jurídico dado a eles, pois as leis brasileiras sempre visaram proteger e disciplinar as questões relacionadas aos seres humanos, e por conta dessa visão antropocentrista, o Código Civil Brasileiro de 2002 se restringiu a tratar os animais não humanos apenas como meros bens, objetos semoventes e não como seres merecedores de direito, e essa situação denota o especismo ainda enraizado na sociedade, pois as leis assim os trata justamente por conta da ideia de hierarquia e subordinação, no sentido de que só se buscou dar direitos aos seres humanos, ou seja, somente a eles foi concedido o conceito de sujeito de direito, e nesse sentido essa visão pode ser considerada totalmente defasada, tendo em vista que nos dias atuais os animais não humanos já são considerados sencientes, e por isso devem ser considerados sujeitos de direito, o que não é reconhecido no Brasil, sendo visto como meros bens e os seus tutores como proprietários, portanto, nesse sentido entende-se que para o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito seria possível a analogia entre os entes despersonalizados e os animais não humanos, tendo em vista que estes embora não possuam personalidade jurídica podem ser sujeitos e objetos de direito, portanto, nota-se que não é razoável os animais continuarem a ser tratados como meros bens, pois todos os entes despersonalizados como a massa falida, espólio, heranças, sociedade irregular e condomínio edilício possuem a prerrogativa de terem direitos e deveres, o que não acontece no caso no caso dos animais que embora já sejam até mesmo considerados sencientes não possuem esse status jurídico. (SANTOS, 2019, p. 135).

Fica evidente o quanto é necessário a criação de um novo status jurídico aos animais não humanos, pois a partir da evolução do direito dos animais, do reconhecimento da sua senciência e do avanço social não faz mais sentido tratar os animais como meros bens, tendo em vista que esses seres com vida são capazes de sentir todas as formas de emoção, e não obstante não é razoável ser considerado um bem quando comparado a uma massa falida, por exemplo, que embora seja um ente despersonalizado tem direitos e deveres, diferentes dos animais não humanos. Portanto, as leis brasileiras encontram-se totalmente defasadas, pois buscam proteger apenas os seres humanos, estando estes no centro de tudo, como se as outras espécies não importassem, o que de fato não é verdade, pois todos os animais não humanos são merecedores de direitos e deveres assim como qualquer ser humano.

Dito isso, faz-se necessário analisar como os animais não humanos passaram a se aproximar dos seres humanos a ponto de se tornarem domesticáveis e verdadeiros companheiros e amigos de seus tutores frente a uma sociedade contemporânea, que apesar de ainda ser composta de uma série de crueldades contra os animais, têm lutado a partir de ativistas pelo reconhecido dos animais não humanos como seres dignos de respeito e proteção, não devendo estes serem submetidos a qualquer forma de crueldade atualmente existentes, como, por exemplo, o caso das experimentações científicas para a confecção de produtos, o que vem sendo alvo de grandes discussões, levando em consideração o fato de que esses animais submetidos a essas formas de crueldade, sofrem muito, alguns chegam a perder a visão, e isso demonstra claramente a maldade inserida nessas condutas, é como se as indústrias não se importassem que são animais e que são vidas, os utilizando apenas como meros objetos que serão usados para gerarem lucros, a partir dos testes e da comercialização dos produtos, o que hoje com a tecnologia já não faz mais sentido sustentar, e não é por outro motivo que já existem diversas empresas mudando as suas formas de experimentação visando não utilizar os animais não humanos evitando com isso as crueldades que essas situações causam.

3 A RELAÇÃO DOS ANIMAIS COM OS SERES HUMANOS

A proximidade dos animais não humanos dos seres humanos como verdadeiros companheiros se deu com os animais chamados canídeos que foram considerados grandes caçadores, onde no momento em que os seres humanos passaram a cultivar os seus próprios alimentos, se fixando em um único território para residir, esses animais canídeos começaram a se aproximar dos seres humanos com o intuito de se alimentar das sobras dos alimentos, e em razão disso esses animais passaram a viver próximos desses humanos, próximos a suas aldeias, e seus filhotes passaram a conviver com os seres humanos se tornando domésticos, cabe ainda ressaltar que os animais que ficaram mais próximos dos seres humanos passaram a se alimentar com mais amido o que fez com que as características desses animais fossem com o tempo sendo modificadas, até chegar ao que hoje se tem como os cachorros. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 34-35).

Nota-se que os animais não humanos já se aproximaram dos seres humanos desde os tempos em que o que predominava era a caça, servindo no começo como auxiliares, depois seguranças, e por fim ficaram muito mais próximos em decorrência dos alimentos, tendo os seus filhotes próximos aos territórios em que residiam esses seres humanos, e por isso começou a existir essa forte relação entre os animais filhotes e os seres humanos. Portanto, o canídeo é o primeiro animal que se aproximou do ser humano, e que em decorrência do fato que ele se alimentava das sobras dos alimentos que continham amido de milho, tiveram suas afeições físicas alteradas, parecendo com o que hoje se tem como os cachorros, então a relação se iniciou há muito tempo até chegar à atualidade.

Não há registros que constem ao certo qual foi o momento em que o cão se tornou efetivamente um animal doméstico, ou seja, os pesquisadores acreditam que foi há 30 mil anos atrás, outros acreditam que foi por volta de 10 mil anos atrás, mas nenhum sabe ao certo, cabe ainda ressaltar que além da domesticação dos canídeos, outras estavam ocorrendo de forma paralela como é o caso das ovelhas e cabras há cerca de 10 mil anos na Ásia, 2 mil anos depois bois e vacas passaram a ser domesticadas na Índia e no norte da África e o gato no Egito, portanto, todos os países contribuíram para que os animais se aproximassem efetivamente dos seres humanos. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 35).

Portanto, a partir do momento em que os canídeos se aproximaram dos seres humanos, em outras regiões do mundo ocorria a domesticação de outros animais como ovelhas, cabras, vacas e bois. Não obstante, sabe-se que os animais não humanos sempre foram utilizados para determinados fins práticos, o que foi sendo modificado com o passar do tempo aparecendo animais que de fato seriam apenas bons companheiros de seus tutores, um exemplo, é no Brasil onde a princesa Isabel, criadora de cães relatou gostar das companhias dos animais, além disso entende-se que a fixação das chamadas raças dos animais demoraram até serem criadas e reconhecidas, mas a partir do momento em que passaram a existir essa circunstância fez com que as pessoas passassem a valorizar a beleza do animal e o seu porte, e isso em decorrência da procura dos animais para serem apenas seus companheiros de vida. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 37-39).

Entende-se que embora não se tenha conhecimento de quando os cachorros de fato passaram a ser domesticáveis, é de fácil identificação que toda essa aproximação dos animais não humanos com os seres humanos ocorreu de forma gradativa, os quais antes eram vistos apenas como seres destinados a servir aos seres humanos seja por meio da caça, segurança, alimento, vestimenta ou para transporte de pessoas e mercadorias, o que foi sendo desmistificado com o tempo, ganhando os animais novos enfoques, sendo considerados verdadeiros amigos e companheiros de vida.

Dito isso, nota-se que com o passar da evolução humana a partir da revolução industrial e da globalização, o comportamento da sociedade foi sendo modificado, ou seja, o modo das pessoas agirem e pensarem foi alterado, e isso em decorrência no novo modo de vida denominado como moderno, além dos fatores culturais, e essa mudança levou as pessoas a optarem em ter menos filhos, ou por não terem nenhum filho, o que trouxe em evidência os animais que de certo modo passaram a ser inseridos no núcleo familiar dessas pessoas em uma quantidade muito superior do que a de crianças. (SANTOS, 2019, p. 137)

Portanto, a partir do momento em que a sociedade foi evoluindo em razão do mundo globalizado, isso teve como consequência um novo olhar social para os animais, portanto, antes existiam poucos animais inseridos dentro da família no sentido de morar dentro de casa, viajar e andar de carro com seus tutores, porém após essas evoluções sociais, isso foi modificado, o que gerou um grande aumento no número de animais não humanos inseridos na família, sendo muitas vezes tratados como verdadeiros filhos, ou seja, muitas pessoas deixaram de ter crianças, para terem animais de estimação.

Nesse sentido, a partir dessa maior inserção dos animais não humanos junto aos núcleos familiares dos seres humanos surge uma questão importante que diz respeito a propriedade responsável, pois da mesma forma que essa situação trás como consequência uma maior proximidade dos animais dentro das famílias dos seres humanos, isso gera uma situação negativa que é a questão do abandono, pois atualmente esse é um dos grandes problemas enfrentados perante a sociedade, e nesse sentido surgem diversas campanhas no sentido de buscar conscientizar os seres humanos sobre a responsabilidade de se ter uma animal. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 40).

As pessoas quando buscam ter um animal de estimação precisam ter a consciência de que esse necessita de diversos cuidados assim como uma criança humana, e que não podem simplesmente serem abandonados por seus tutores, portanto, é necessária essa conscientização de que os animais não são objetos, mas são vidas e que não podem ser abandonadas como meros bens, logo, é preciso ter essa responsabilização quando um tutor decidir ter uma animal de estimação para ser o seu companheiro de vida.

Nos tempos antigos a questão dos animais não humanos abandonados eram resolvidas de maneiras muito cruéis, sendo uma delas a chamada carrocinha, que recolhe o animal abandonado na rua, levados a um canil e lá são sacrificados, sendo uma forma totalmente ineficaz de resolver essa questão, tendo em vista que a eliminação dos animais abandonados na rua, não resolve o problema raiz que é o fato das pessoas abandonarem, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) que foi quem recomendou essas sacrificações, no ano de 1992 disse que de fato essa conduta é um método ineficiente, e que a melhor forma de controle do abandono é a forma de conscientização de quem decide ter um animal de estimação. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 40-41).

Portanto, é nítido que até sobre as questões relacionados ao abandono animal as primeiras medidas a serem tomadas eram cruéis, não era levado em consideração que aquele animal era uma vida, o único objetivo era evitar os animais na rua, usando o argumento de que seria para controlar as doenças, o que ficou provado ser ineficaz pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) dizendo que a melhor forma de evitar o abandono dos animais não humanos, era através da conscientização das pessoas que decidem ter um animal, sabendo que estes necessitam de cuidados, e por isso não basta ter um animal, é necessário ter responsabilidade sobre ele.

No concernente ao fundamento de que o sacrifício dos animais eram para evitar a erradicação de doenças, a Organização Panamericana de Saúde (OPA) concordou com a orientação, dizendo que o método eficaz para eliminar e evitar as doenças é através da vacinação e o controle de animais através da castração, incentivando ainda a guarda responsável dos animais, cabe ainda ressaltar que em Pernambuco a partir da Lei 14.139, ficou determinado que a sacarificação dos animais só ocorreria mediante exames médicos veterinários que atestassem alguma doença grave, enfermidade incurável que colocasse em risco a vida dos seres humanos ou de outros animais, caso contrário não é possível o sacrifício dos animais não humanos sem uma razão de doença efetiva, portanto, no sentido de conscientização é que foram criados os Conselhos Municipais de Proteção aos Animais, que tem por finalidade realizar a programas de conscientização das pessoas em relação a guarda responsável dos animais não humanos, além disso várias ONGs recolhem animais abandonados prestando atendimento veterinário e todos os cuidados necessários, sendo encaminhados à adoção responsável. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 41-42).

Nota-se, portanto, que não demorou muito até que verificassem que buscar resolver as questões do abandono através da sacarificação dos animais não eram efetivas nem para evitar novos abandonos e muito menos para evitar a propagação de doenças, em vista que essas questões podem ser resolvidas através da conscientização da sociedade, além da vacinação e da castração, sendo a eutanásia utilizada apenas nos casos em que os animais estão com doenças gravíssimas que coloquem em risco o ser humano e outros animais não humanos, caso contrário essa conduta não deve ser aplicada, além disso cabe ressaltar que atualmente existem diversas ONG’s trabalhando para resgatar os animais em condição de rua dando toda assistência veterinária necessária, destinando esses animais não humanos que foram abandonados para uma adoção responsável.

Além do abandono, outra questão relacionada a guarda responsável diz respeito ao tutor do animal que tem o dever de gerar a ele boas condições de vida, ou seja, essa responsabilidade pelo animal não reside apenas no sentido de não o abandonar, mas também de dar as mínimas condições de uma existência digna, fornecendo alimentos, lazer, remédios, liberdade, assistência médica veterinária, isolando do sol e da chuva, cuidando e zelando pela vida do animal, pois este merece ter os seus direitos atendidos, devendo ter uma vida digna, cabendo ressaltar ainda que qualquer conduta que busque a omissão dessas condições pode ser compreendida como maus tratos contra os animais não humanos, tendo em vista que esses são deveres dos tutores frente aos animais merecedores de direito. (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 43-44).

Dito isso, fica evidente que após a aproximação dos animais não humanos dos seres humanos isso foi de suma importância para o desenvolvimento da necessidade e efetivação da proteção aos animais, porém como consequência trouxe a situação do abandono, tendo em vista que muitas pessoas buscam ter um animal, mas não remetem ao fato de que esse ser precisa de todos os cuidados necessários, não podendo simplesmente serem abandonados quando estiverem doentes ou por qualquer outro motivo, e além disso, necessitam ter uma vida digna. Então as campanhas de conscientização sobre esses aspectos são de suma importância, principalmente para evitar a crueldade e os maus tratos que podem advir de falta de responsabilidade sobre o animal não humano, pois esse ser necessita de todos os cuidados dignos, assim como qualquer ser humano.

Portanto, a partir desse entendimento, é possível compreender que de fato os animais não humanos então atualmente totalmente inseridos na sociedade contemporânea, e isso se demonstra a partir de diversas estatísticas, sendo o Brasil considerado um dos países que mais possuem animais não humanos inseridos dentro da família, e não é por acaso que nos dias de hoje é possível encontrar famílias que são formadas sem o intuito de gerar filhos humanos, optando em adotar um animal de estimação os chamando muitas vezes de filhos, portanto, é como se de fato os animais não humanos passassem a ocupar um papel central dentro das famílias, exercendo os seus tutores uma verdadeira parentalidade em relação a ele, o que consequentemente faz com que o direito e as leis necessitem se adequar a essa nova realidade. (CHAVES, 2017, p. 60).

Com isso, nota-se que os animais não humanos sempre estiveram presentes na vida do ser humano, estando sempre próximos, embora a relação que antes existia era diferente e os animais possuíam uma visão de utilidade, com o passar do tempo isso foi modificado, e os animais não humanos tornaram-se tão próximos dos seres humanos que não foi mais possível manter esse entendimento dos animais, passando a serem considerados como verdadeiros membros da família, tornando-se seres de suma importância para os seres humanos, sendo alvos de grandes discussões e de uma necessária proteção efetiva pelo direito, e isso se demonstra ainda mais quando se verifica que a quantidade de animais não humanos inseridas no âmbito familiar é muito maior do que a quantidade de crianças humanas, pois isso remete a ideia de que os animais realmente são importantes para os seres humanos, estando inseridos em seus núcleos familiares.

Portanto, atualmente os animais não humanos estão inseridos dentro da família dos seres humanos, sendo em muitos casos tratados como verdadeiros filhos, o que há um tempo anterior não ocorria, pois as pessoas até tinham animais de estimação em suas residências, mas eles moravam na área externa da casa, tinha suas casinhas próprias ou moram em um espaço limitado dentro de um apartamento, o que hoje não é mais aplicado na sociedade contemporânea, tendo em vista que os animais não humanos quando inseridos dentro de uma família, ele é colocado para residir dentro de casa, dorme na cama, viaja com seus tutores, andam de carro, como verdadeiros e íntimos companheiros, portanto, isso denota uma efetiva mudança da visão da sociedade perante os animais, e isso pode ser considerado uma grande evolução tendo em vista que os animais sempre foram cruelmente tratados como inferiores, não obstante, a ideia trazida pelo Código Civil Brasileiro de 2002 em relação aos animais serem considerados apenas bens, mostra-se ser totalmente inaplicável esse entendimento na sociedade contemporânea, tendo em vista que isso não corresponde mais aos anseios sociais, pois a sociedade evoluiu, e passou-se a ver os animais como seres membros efetivos da família, sendo merecedores de direitos. (CHAVES, 2017, p. 61).

Todas essas circunstâncias remetem ao fato do quanto os animais não humanos passaram a ser importantes na sociedade contemporânea, embora ainda existam diversas formas de crueldade que necessitam ser devidamente combatidas através da fiscalização e efetivação de normas eficazes, tendo em vista que o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 deixa claro que todos as pessoas possuem o dever constitucional de proteger a fauna, inclusive os animais, vedando os atos de crueldade, com isso, nota-se que o grande problema é de fato a ausência de normas que sejam eficazes e devidamente aplicadas, pois a lei não trás todas as situações relativas aos animais, portanto, é considerada totalmente defasada, tendo em vista que não está de acordo com a sociedade contemporânea, e por isso faz-se necessária uma nova adequação, levando em consideração a relevância dos animais não humanos na sociedade e o seu direito a uma vida digna. Dito isso, a partir da evolução da sociedade com a inserção dos animais não humanos no seio familiar como efetivos membros da família, a consequência positiva foi a criação de uma nova forma de constituir família denominada como multiespécie, a qual caberá ser analisada efetivamente.

4 A CONCEPÇÃO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE

Em razão da evolução social e de uma nova era denominada como moderna e globalizada nasce a necessidade de reconhecer o direito da minoria, tornando-se possível a concepção de outras modalidades de família que não a definida como tradicional composta de um homem, uma mulher e seus filhos biológicos, tendo em vista que o Código Civil Brasileiro de 1916 trazia em sua regulamentação apenas a estrutura familiar patriarcal, onde havia a prevalência da figura do homem, porém em pleno século XXI e com toda a evolução humana essa concepção deixou de fazer sentido, pois a sociedade passou a demandar outras formas de constituir família, portanto, atualmente é possível facilmente encontrar outras modalidades de família constituídas, como é o caso da inserção dos animais não humanos no seio familiar, que originou a chamada família multiespécie, portanto, com o passar dos anos o Código Civil Brasileiro e o Direito de Família não se limitaram a apenas regulamentar a denominada família patriarcal fundada no matrimônio, passando a tratar de outras modalidades de família como, por exemplo, a união estável, união homoafetiva, famílias monoparental, pluriparental e a união poliafetiva. (SANTOS, 2019, p. 137-140).

Com isso fica evidente que com o avanço da sociedade nasceu a necessidade de que as leis se atentassem aos novos fatos como é o caso da concepção da família, pois não é possível que a lei permaneça defasada nesse ponto, tendo em vista que ela precisa atender aos anseios sociais, e por isso foi reconhecida essas novas formas de constituir família, pois todas as pessoas têm o direito de construir uma família, e não necessariamente sempre composta de uma estrutura tradicional e biológica, pois sabe-se que atualmente uma família pode ser construída com base no afeto, ou seja, a característica da afetividade é de suma importância quando da concepção e do reconhecimento dessas novas modalidades de família, inclusive a multiespécie.

Portanto, entende-se que para a caracterização da denominada família multiespécie não basta apenas o animal não humano estar inserido dentro da residência do seu tutor, pois esse fato por si só não é suficiente para defini-lo como efetivo membro da família, o que significa dizer que é preciso estar presente a característica do afeto, ou seja, é necessário a existência de afetividade entre o animal não humano e o seu respectivo tutor, pois a partir deste é possível analisar se de fato o animal é um membro de família, tendo em vista o carinho e a importância que é dada a este ser, sendo com isso atestada através de demonstrações públicas de amor, tendo em vista que a afetividade é o vínculo criado entre ambos. (SILVA, 2020, p. 37-38).

Nota-se que o elemento caracterizador das novas modalidades de família é basicamente o vínculo da afetividade, pois para essas novas concepções não é preciso a comprovação de vínculo sanguíneos basta que haja o afeto entre ambos, e o mesmo é no que diz respeito a família multiespécie, portanto, existindo um vínculo afetivo entre o animal não humano e o ser humano está reconhecido de fato a família multiespécie, tendo em vista que esse vínculo denota o amor e os laços construídos entre ambos, e nesse sentido cabe ressaltar que é plenamente possível um animal não humano se sentir amado e protegido pelo o seu tutor, tendo em vista que este é considerado senciente sendo capaz de efetivamente criar laços afetivos com as pessoas que ama, assim como qualquer ser humano, e por esse motivo é plenamente possível a existência da afetividade entre ambos.

Compreende-se que as famílias tradicionais anteriormente constituídas primavam pela ideia de parentesco e vínculo biológico, ou seja, as pessoas constituíam famílias simplesmente com o objetivo de ter filhos humanos e dividir o patrimônio, o que com a evolução da sociedade perdeu o sentido, e por isso entende-se que a família multiespécie é aquela constituída por seres humanos e seus animais de estimação que embora não possuam vínculos de parentesco, convivem juntos e podem ser considerados membros do mesmo núcleo familiar, tendo em vista a convivência contínua e afetiva, portanto, a afetividade justifica a concepção dessa nova constituição familiar denominada como multiespécie. (SANTOS, 2019, p. 141).

Portanto, frente a essa nova concepção familiar nota-se que ela é possível em razão da proximidade que foi construída ao longo da evolução do direito dos animais entre os animais não humanos e os seres humanos, e atualmente é possível encontrar as mais variadas espécies de animais inseridas no âmbito familiar, seja cachorro, gato, cabras, bois, ovelhas, bodes, pássaros, e até mesmo alguns animais que necessitam de regulamentação legal, constituindo assim uma família contemporânea, baseada nos laços afetivos criados entre os seres, portanto, embora ainda haja muitas situações de crueldade e abandono animal, as pessoas estão buscando a cada dia estarem mais próximas dos animais, tendo em vista a amizade, o companheirismo e a lealdade que os animais não humanos possuem.

Mas cabe ressaltar que além da afetividade existem outros elementos que são necessários serem identificados para a existência da família multiespécie, ou seja, é preciso ainda identificar a intimidade, o que significa dizer que é necessário que haja uma convivência constante entre o animal não humano e o seu tutor, participando efetivamente da rotina da casa, ou seja, são os laços de intimidade que estabelecem a afetividade, portanto, entende-se que os animais que moram na residência do tutor que são mantidos isolados na área externa não podem ser visualizados como membros de uma família multiespécie, tendo em vista a ausência de convívio e de uma relação de intimidade, não obstante, outro elemento diz respeito a consideração moral, ou seja, refere-se a preocupação do tutor com o animal de estimação, portanto, esses são os elementos primordiais que devem estar presentes para a caracterização da família multiespécie, levando em consideração justamente o fato de que as pessoas estão deixando muitas vezes de terem filhos humanos, para inserirem nos seus núcleos familiares animais não humanos, sendo considerados como verdadeiros filhos. (SILVA, 2020, p. 43-45).

Portanto, para que fique caracterizada essa modalidade de família chamada de multiespécie composta por seres humanos e os animais de estimação é necessário que estejam presentes os elementos da afetividade, intimidade e a consideração moral, pois não basta que o animal não humano resida com o ser humano é preciso que haja um efetivo laço afetivo, respaldado na convivência contínua com o animal não humano, com demonstrações de afeto e preocupações em relação ao animal, portanto, é plenamente possível a concepção dessa modalidade familiar multiespécie que embora não seja construída na ideia de vínculo de parentesco e consanguíneo, é estabelecida na relação de afetividade construída entre o animal não humano e o ser humano.

Dito isso, cabe ressaltar que a partir do momento em que nasce a possibilidade das novas concepções familiares, inclusive a multiespécie, faz-se necessário que as leis acompanhem de forma efetiva essas mudanças decorrentes da evolução da sociedade, porém não é o que muitas vezes acontece, principalmente no concernente ao direito dos animais, pois a partir do momento em que os seres humanos ficam efetivamente próximos dos animais e passaram a inseri-los em suas famílias como membros efetivos desta, surgiram diversas questões oriundas do Direito de Família frente ao Poder Judiciário, como é o caso da guarda compartilhada dos animais inclusive no que diz respeito aos alimentos e o direito de convivência, pois assim como as famílias são constituídas, essas podem ser dissolvidas, e da mesma forma que essa dissolução gera consequências jurídicas quando da presença de filhos humanos, o mesmo acontece no caso dos animais não humanos.

Portanto, no que diz respeito a guarda compartilhada dos animais resultantes da dissolução da família multiespécie, entende-se que a dissolução da família é uma situação que trás muitas questões delicadas tanto na individualidade de cada ser que sofre com essa situação, como no âmbito jurídico, tendo em vista as consequências oriundas desse fato, portanto, mesmo que essa dissolução não seja de fato litigiosa ela causa um grande desconforto para as pessoas, e não é diferente no caso dos animais não humanos, que assim como os filhos humanos, acabam sofrendo quando dessa ocorrência, levando em consideração o fato de que os animais não humanos criam verdadeiros laços afetivos com os seus tutores, e a dissolução dessa família pode causar uma grande tristeza ao animal, tendo em vista sua senciência, ou seja, sua capacidade de sentir emoções. (AGUIAR, 2018, p. 47-48).

Diante disso, percebe-se que as legislações brasileiras no concernente a guarda compartilhada trata apenas das questões relacionadas aos filhos humanos, não trazendo nenhuma disposição que possa ser devidamente aplicada aos animais não humanos, deixando com isso diversas lacunas a respeito do Direito de Família aplicado aos animais, o que pode ser considerado um absurdo, tendo em vista que a sociedade contemporânea tem se aproximado cada vez mais dos animais não humanos, sendo muito comum nos dias atuais encontrar uma maior quantidade de animais nas residências do que propriamente filhos humanos, o que por consequência faz surgir novas demandas no Poder Judiciário em relação a guarda compartilhada quando da dissolução da família multiespécie, porém mesmo com este aumento progressivo e com a evolução da sociedade, as leis continuam se abstendo de regulamentar essas importantes questões, tratando os animais como meros bens, o que não corresponde com a realidade, tendo em vista o fato dos animais serem comprovadamente sencientes, portanto, essas ausências normativas resultam em um grande desafio para o Poder Judiciário quando da resolução dessas demandas. (SANTOS, 2019, p. 193-194).

Portanto, fica evidente que embora a visão da sociedade contemporânea frente aos animais não humanos evoluiu muito, as normas não encontram-se em consonância com essas evoluções, tendo em vista que não existe nenhuma lei que regulamente efetivamente as questões da guarda compartilhada no que diz respeito aos animais, sendo que essa já é uma realidade fática predominante na sociedade, é totalmente evidente o quanto as pessoas estão próximas dos animais não humanos, e como os consideram como efetivos membros da família, estando muitas vezes no lugar dos filhos, construindo verdadeiros laços afetivos, tendo em vista a amizade, o companheirismo e a lealdade que é construída entre ambos, existindo até mesmo a concepção familiar multiespécie que reconhece os animais como membros da família, porém mesmo frente a essa nova realidade, as normas continuam a regulamentar apenas os seres humanos no que diz respeito ao Direito de Família, sendo que já existem várias demandas no Poder Judiciário requerendo a guarda compartilhada, o direito aos alimentos e o direito a convivência para os animais não humanos.

Com isso, é importante compreender que em decorrência da ausência normativa nas questões da guarda compartilhada dos animais, o Poder Judiciário tem optado pela aplicação do disposto no direito de família brasileiro aos humanos para os animais não humanos com as devidas adaptações, levando em consideração os laços afetivos criados entre ambos, assim como o bem-estar do animal, sendo a Vara de Família a competente para decidir essas questões, mas cabe ressaltar que embora seja possível a aplicação por analogia do disposto no Direito de Família Brasileiro aplicado aos seres humanos, não fica dispensado a necessidade de criar uma norma efetiva e própria para tratar e disciplinar dessas questões no âmbito do direito dos animais.. (SANTOS, 2019, p. 200-201).

Não obstante, no que diz respeito à possibilidade da pensão alimentícia entende-se que assim como qualquer ser humano o animal não humano possui o direito de receber pensão alimentícia, tendo em vista ser merecedor de uma vida digna, necessitando do mínimo para a sua subsistência, tendo em vista que precisa de cuidados, alimentação, remédios, visitas ao veterinário, e por esse motivo mostra-se totalmente cabível aos animais esse direito, devendo ser acordado entre os ex-cônjuges ou ex-companheiros as devidas despesas, mas cabe ressaltar que o valor a ser estabelecido precisa estar de acordo com a possibilidade do ex-cônjuge ou ex-companheiro de modo que não prejudique a sua própria subsistência. (SILVA, 2020, p. 77-78).

Portanto, é plenamente possível a aplicação do instituto da pensão alimentícia para os animais não humanos, pois estes possuem as suas necessidades primordiais para uma subsistência digna, e, portanto, não seria justo a não aplicação desta regulamentação no caso dos animais não humanos, tendo em vista que precisam comer, tomar medicamentos, ir ao médico veterinário e diversas outras coisas que são consideradas como o mínimo para a sua subsistência digna, portanto, embora as normas não tragam uma efetiva regulamentação para essas questões envolvendo os animais não humanos, é possível a aplicação do mesmo instituto utilizado para os seres humanos aos animais não humanos, tendo em vista que merecem o devido direito ao seu bem-estar.

No que diz respeito ao direito de convivência, esse também mostra-se totalmente cabível, ou seja, é aplicável o direito de convivência para o ex-cônjuge ou ex-companheiro que não tenha ficado com a efetiva guarda do animal de estimação, podendo exercer sobre ele a sua posse e fiscalização, buscando se atentar aos interesses dos animal não humano, e essa possibilidade reside no fato de que tanto o ser humano, quanto o animal não humano necessitam da convivência, tendo em vista os laços afetivos que foram criados quando da constância da família multiespécie, gerando a partir da dissolução muita tristeza para ambos, não sendo razoável e nem aceitável que não possam conviver de forma próxima. (SILVA, 2020, p. 83-85).

Cabe ainda ressaltar que é possível aplicar qualquer das modalidades de guarda para os animais, seja a compartilhada, a alternada ou a unilateral, mas cabe ressaltar que é primordial quando da aplicação da guarda observar o melhor interesse do animal não humano, e nesse sentido entende-se que o melhor interesse do animal não humano possui três justificativas a primeira reside no fato de que os animais são sencientes, a segunda é o fato de que as residências atualmente possuem mais animais de estimação do que crianças humanas e a terceira é que a relação entre os animais não humanos e o seres humanos são lastreadas pela afetividade, portanto, tendo em vista essas justificativas cabe ao juiz quando da análise do caso concreto observar se aquela decisão estará atendendo ao melhor interesse do animal não humano que tem por objetivo alcançar o devido bem-estar a ele, proporcionando a escolha mais benéfica, e para essa decisão utiliza-se como critério as condições de vida, a frequência que a pessoa irá interagir com o animal não humano, a presença de outros animais ou crianças no lar e o afeto ligado ao animal. (CHAVES, 2017, p. 70-71).

Dito isso, fica compreendido que embora não existam leis relativas ao tema, o Poder Judiciário tende a aplicar por analogia o disposto no âmbito do direito de família aplicado aos humanos, e quando faz essa utilização deve primar pelo melhor interesse do animal não humano no sentido de proporcionar a ele o devido bem-estar, pois da mesma forma que para uma criança humana deve o juiz levar em conta o melhor interesse desta, o mesmo acontece com os animais, porém apesar dessa possível aplicação, faz-se necessária a criação de leis próprias regulamentando essas situações. Não obstante, o direito dos animais embora já esteja sendo visto de uma forma diferente pela sociedade contemporânea, ainda precisa evoluir muito no sentido de possibilitar o reconhecimento dos animais como verdadeiros sujeitos de direito, merecedores de uma vida digna, buscando a criação de efetivas normas necessárias para atender aos direitos dos animais não humanos, fiscalizando e aplicando todas elas, evitando com isso toda e qualquer forma de crueldade contra os animais, proporcionando a eles o devido bem-estar e o reconhecimento de que de fato merecem frente a sociedade contemporânea e ao direito propriamente dito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a abordagem da evolução do direito dos animais desde os primórdios até os dias atuais, analisando a senciência animal, com a consequente necessidade de leis que reconheçam o animal não humano como merecedor de uma vida digna, da análise quando da aproximação dos animais não humanos dos seres humanos, compreendendo a partir de quando estes passaram a ser domesticados pelos humanos, nascendo com isso a necessidade de uma conscientização da sociedade contemporânea no que diz respeito a guarda responsável, e como consequência dessa aproximação o nascimento de uma nova forma de constituir família denominada como multiespécie, que trouxe diversas consequências jurídicas no âmbito do Direito de Família.

Pode-se concluir que os animais não humanos sempre estiveram presentes na vida do ser humano, embora não com a mesma visão, tendo em vista que o que se compreendia sobre os animais é que estes vieram ao mundo apenas para servir os seres humanos, fazendo prevalecer o antropocentrismo, ou seja, a ideia de que o homem está no centro do universo, e somente a sua espécie importa, ficando em um patamar superior aos animais não humanos, o que como consequência trouxe a ideia de que os animais serviriam apenas para suprir as necessidades humanas, seja através dos alimentos, vestimenta, serviços de transporte ou lazer.

Essa visão que definia os animais não humanos sob o ponto de vista do utilitarismo, passou a perder o sentido quando as pessoas passaram a compreender que os animais não humanos seriam merecedores de uma vida digna, e que não era justo sofrerem tanta crueldade, levando ainda em consideração o fato de que os animais foram reconhecidos como seres sencientes, ou seja, seres que possuem uma capacidade de sentir as mais variadas formas de emoção, inclusive a dor, portanto, a partir da evolução da sociedade, passou-se a se preocupar mais com as questões envolvendo os animais não humanos, e nesse sentido nota-se a intensificação nas relações entre os animais não humanos e os seres humanos a partir da sociedade contemporânea, nascendo com isso a ideia de guarda responsável, no sentido de que as pessoas que desejarem ter um animal de estimação precisam ter a consciência que ele é um ser vivo e que necessita de cuidados, alimentação, assistência veterinária, e que principalmente não pode ser abandonado.

Portanto, entende-se que a partir da sociedade contemporânea em decorrência da evolução nasceu novas formas de constituir família, e uma delas é justamente a denominada família multiespécie, que é composta pelos animais não humanos e os seres humanos, levando em consideração o fato de que os animais não humanos passaram a de fato ocupar lugar dentro das famílias como efetivos membros familiares, que embora não possuam o vínculo de parentesco e consanguinidade, possuem os laços da afetividade, que é o que de fato fundamenta essa nova concepção familiar.

Nota-se que a partir dessa nova instituição familiar nasceu diversas questões no mundo jurídico como é o caso das demandas sobre a guarda compartilhada dos animais, a pensão alimentícia e o direito de convivência, que ganhou enfoque principalmente em decorrência da inserção dos animais não humanos como efetivos membros da família, porém a grande questão é que as normas brasileiras não são suficientes quando dizem respeito aos animais, pois são totalmente defasadas, e não preveem as situações da contemporaneidade, o que causa um grande desafio para o Poder Judiciário na resolução dessas demandas.

Portanto, tendo em vista a ausência normativa no que diz respeito aos animais não humanos e as consequências oriundas do Direito de Família, o Poder Judiciário tem buscado resolver essas questões aplicando o disposto no Código Civil Brasileiro no concernente ao Direito de Família por analogia, levando em consideração o bem-estar animal, porém essa aplicação por analogia, não exclui a necessidade de uma legislação específica que discipline efetivamente as questões relacionadas aos animais não humanos, tanto no que diz respeito às situações do Direito de Família, mas para tantos outros fatos que não possuem uma efetiva aplicação.

Por fim, nota-se que os animais não humanos são verdadeiros merecedores de direitos, e necessitam de um devido reconhecimento tanto normativo quanto de uma parte da sociedade que ainda não possui a consciência de que os animais são merecedores de respeito, portanto, embora grande parte da sociedade contemporânea já tenha outra visão frente aos animais, ainda é necessário muitas mudanças, tendo em vista que em pleno século XXI ainda existem situações de crueldade envolvendo os animais, além do fato de que as leis existentes são ineficazes no sentido de possuírem pouca aplicabilidade, tendo em vista a não ocorrência de fiscalização sobre essas questões, além disso é plenamente necessária a criação de leis referentes a várias questões envolvendo os animais não humanos, como é o caso dos fatos relacionados ao Direito de Família, tendo em vista que sobre isso não existe previsão normativa, portanto, fica evidente a necessidade de uma evolução normativa, no intuito de atender de fato os anseios sociais, reconhecendo com isso os animais como seres merecedores de uma vida digna.

 

 

Fonte: Jusbrasil 

 

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