Jurisprudência

Moradora que ofendeu síndica após ser vítima de racismo não indenizará

A 34ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reformou sentença que havia condenado condômina a pagar R$ 9 mil por ofensas à síndica e ao subsíndico. O tribunal reconheceu a existência de culpa concorrente, pois a moradora havia sido, antes, xingada de “macaca” pelos autores da ação. Conforme o acórdão, a síndica e o subsíndico ajuizaram a ação por danos morais contra a moradora após serem ofendidos por ela. O juízo de 1ª instância, com base em um vídeo anexado aos autos que mostrava a moradora proferindo xingamentos, condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais.

A condômina recorreu da decisão, alegando cerceamento de defesa, pois a sentença foi proferida apenas com base no vídeo, sem a oitiva de testemunhas. Ela juntou boletins de ocorrência que corroboravam sua versão dos fatos, alegando que ofendeu a síndica e o subsíndico porque eles a chamaram de “macaca” e a ameaçaram de morte. Afirmou, ainda, que esses argumentos foram apresentados na contestação, mas não foram considerados pelo juízo de 1ª instância.

Racismo Estrutural

Ao analisar o recurso, o desembargador Luiz Guilherme da Costa Wagner destacou a importância de considerar todas as circunstâncias que levaram ao descontrole emocional da condômina. Ressaltou que a síndica e o subsíndico silenciaram a respeito das graves alegações de injúria racial e ameaça de morte, o que, segundo o art. 374, II e III, do CPC, torna-as incontroversas, dispensando dilação probatória.

“Causa perplexidade, para dizer o mínimo, observarmos que a grave afirmação trazida nos autos, de que uma pessoa teria chamado a outra de ‘macaca’, fora fato totalmente desprezado neste processo. Repita-se: os autores sequer se deram ao trabalho de responder em réplica tal situação, ainda que fosse para falar que a acusação era mentirosa.”

O relator criticou a postura de desprezo em relação à acusação de racismo, reforçando que chamar uma pessoa negra de “macaca” é um ato grave que não pode ser ignorado ou minimizado.

“Simplesmente se ignora tal questão, parecendo ser algo sem importância. E o que é pior: talvez realmente para alguns seja uma questão sem importância.”

Também lamentou que expressões, piadas e xingamentos raciais sejam vistos como “comuns” na sociedade vitimada pelo racismo estrutural. Para ilustrar, citou trechos de um poema de Jorge Aragão.

“Esse processo nos mostra que realmente o racismo estrutural tende a nos fazer acreditar que um negro ser chamado de ‘macaco’ é algo normal e que não deve gerar maiores reflexos; distorção da realidade assim como o ‘preto de alma branca’, imortalizado nos versos do poeta Jorge Aragão:

“Se preto de alma branca pra você

É o exemplo da dignidade

Não nos ajuda, só nos faz sofrer

Nem resgata nossa identidade.”

Além disso, o desembargador reconheceu que, embora a reação da condômina não fosse a mais adequada, o contexto de ofensas raciais e ameaças justificava uma reavaliação da sentença original. Considerou, assim, que as condutas da síndica e do subsíndico contribuíram significativamente para a situação de descontrole da moradora, configurando uma situação de culpa concorrente. Com base nesses fundamentos, o colegiado deu provimento ao recurso, julgou improcedente a ação indenizatória e inverteu a sucumbência.

Processo: 1050962-38.2022.8.26.0002 
Veja o acórdão.

 

Fonte: Migalhas

Luiz Davi

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