Legalidade da arbitragem na rescisão do contrato trabalhista

Esse assunto já gerou muito pano para a manga, porque a questão trabalhista sempre é mais delicada do que as demais questões, por envolverem direitos ditos indisponíveis e, sobretudo, por se tratar de pessoas tidas por hipossuficientes, não apenas economicamente, mas, também, juridicamente, ou seja, de conhecimentos e informações.

Em que pese particularmente eu não coadunar totalmente com esse pensamento, porque hoje estamos na era da informação e toda a qualquer pessoa conhece os seus direitos trabalhistas e, muitas vezes o sabe até mais do que o seu próprio empregador.

A validade da arbitragem na rescisão dos contratos de trabalhos é uma matéria de muita importância, seja na questão da ratificação dos direitos, seja em relação à norma jurídica como um todo, sem se ater aos antiquados posicionamentos que tratam do assunto.

A arbitragem é um procedimento extrajudicial de solução de conflitos em que um terceiro ou mais, neutro e imparcial, eleito ou aceito pelas partes, decide por elas o conflito, com a mesma força e segurança jurídica da sentença judicial.

Ainda que o objeto da arbitragem se refira a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, negociáveis, relacionados a pessoas capazes, venho observando um excesso de formalismo quanto à sua utilização na esfera trabalhista, especialmente no que tange à homologação do contrato trabalhista.

Antes da reforma trabalhista, os procedimentos de homologação do contrato de trabalho eram levados perante o respectivo sindicato profissional ou mesmo à Delegacia Regional do Trabalho, para, após, serem as eventuais pendências discutidas e resolvidas através do procedimento judicial.

Hoje, com a reforma trabalhista, não há mais essa necessidade de se homologar as rescisões trabalhistas nos sindicatos ou mesmo na Delegacia Regional do Trabalho. Entretanto, os empregadores ainda ficam com receio e se sentem desprotegidos juridicamente e, para tanto, buscam uma homologação arbitral, visando ratificar o que já fora quitado junto ao empregado e conciliar eventuais questões controvertidas.

Quem sabe por haver ainda a antiga conversa de que os trabalhadores não sabem exatamente quais são os seus direitos reais, ou ainda, de que se trata da parte mais vulnerável, hipossuficiente quanto aos seus direitos.

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Todavia, não podemos ceder a ideia ultrapassada de que os trabalhadores não conhecem os seus direitos, sobretudo, diante da globalização e o avanço da sociedade de uma forma geral, seja em relação ao acesso a informação, a tecnologia e a internet, bem como pela ampla divulgação dos direitos e garantias individuais e trabalhistas.

Como dizer que a funcionária que presta serviços na minha casa ou na minha empresa não tem conhecimentos de seus direitos trabalhistas? E, muitas vezes, e digo isso por experiência própria, o sabe até mais do que eu, e se não tem mais conhecimento, talvez por não ser operadora do direito, tranquilamente, sabe precisamente dos seus direitos trabalhistas como empregada em minha residência ou funcionária em minha empresa.

Por esse motivo é que discordo quanto a alegada hipossuficiência, irrenunciabilidade e indisponibilidade em relação aos direitos do trabalhador em ocasional processo de homologação de rescisão de contrato de trabalho na esfera arbitral.

Dito isso, nem entrei na discussão a respeito do fato de se poder ou não utilizar a arbitragem como órgão privado e eleito pelas partes para se homologar verbas rescisórias de contrato trabalhista.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em relação ao direito do consumidor, entende que, em razão da sua hipossuficiência, a arbitragem pode ser utilizada desde que seja da vontade expressa do consumidor em fazer uso dessa via alternativa, ou seja, surgido o conflito, o consumidor pode eleger a arbitragem ou concordar expressamente em resolver o conflito pela via arbitral.

De igual modo, penso que, analogicamente, esse posicionamento do STJ pode ser utilizado para a esfera trabalhista, ou seja, considerada a hipossuficiência, após a extinção do contrato de trabalho, caso o trabalhador opte, livremente, por levar a questão para o árbitro; ou quando o trabalhador manifestar expressamente sua concordância com a arbitragem perante o próprio juízo arbitral essa prerrogativa deve ser considerada legalmente aceita.

Acredito que não há que se falar sobre qualquer influência do empregador sobre o trabalhador, tido como hipossuficiente, pois se trata de rescisão de contrato de trabalho, sendo que a relação jurídica já se extinguiu e está consolidada perante as leis trabalhistas e, havendo a extinção do contrato de trabalho não há que se falar mais sobre a vontade do mais “forte” prevalecer sobre o mais “fraco”, ou seja, do empregador sobre o trabalhador, não existindo, no meu ponto de vista, qualquer hipossuficiência, indisponibilidade ou irrenunciabilidade de direitos relacionados ao extinto contrato de trabalho.

E isso decorre do próprio procedimento de arbitragem, que é baseado em princípios como a autonomia da vontade das partes, a imparcialidade, a transparência, o equilíbrio entre as partes, o respeito aos direitos e as leis, a decisão informada, além do fato de que os árbitros devem ser pessoas éticas, idôneas e que trabalham com bom senso, autonomia e respeito a ordem pública, as leis e aos costumes, primando pela excelência do trabalho realizado.

Já vi e ouvi muitas pessoas e até jurisprudências se posicionarem contra este meu posicionamento, os quais se inflam para dizer que a arbitragem é sim possível para solucionar os conflitos individuais de trabalho, porém não pode ser utilizada para homologar as verbas rescisórias.

Ouso discordar, mas respeito as opiniões divergentes, aliás, “opinião só não muda quem não tem”, como nos ensina Mário Quintana, e o faço com base em dois motivos. Primeiro, porque o trabalhador, após a extinção do contrato de trabalho, não está mais sob o jugo do empregador, sob o manto da subordinação. Segundo, em razão dos próprios direitos rescisórios, que após a efetiva rescisão, já são considerados como disponíveis e renunciáveis, podendo, portanto, serem negociáveis e passível de acordo.

Corroborando esse entendimento, trago o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, verbis:

“Após a dissolução do pacto, no entanto, não há de se falar em vulnerabilidade, hipossuficiência, irrenunciabilidade ou indisponibilidade, na medida em que o empregado não mais está dependente do empregador.” (Processo – TST: RR – 1650/1999-003-15-00, Relatora: juíza Doralice Novaes, Publicação: DJ – 30/09/2005 – Acórdão 4ª Turma)

Nesse mesmo julgamento, a i. Relatora aduz que a arbitragem:

 “… tem plena aplicabilidade na esfera trabalhista porque há direitos patrimoniais disponíveis no âmbito do direito do trabalho, data vênia de outras opiniões em sentido contrário”. (Processo – TST: RR – 1650/1999-003-15-00, Relatora: juíza Doralice Novaes, Publicação: DJ – 30/09/2005 – Acórdão 4ª Turma)

Nessa linha de entendimento, preleciona o professor José Celso Martins que: “No entanto, encerrado o contrato de trabalho, toda e qualquer lesão ao direito anteriormente indisponível e protegido com características de interesse público, será transformada em indenização de natureza patrimonial. Assim, é certo que uma ação trabalhista tem por objeto o recebimento de direitos que não foram observados e obrigações que não foram cumpridas em uma relação de emprego na vigência de um contrato de trabalho. Referida ação tem natureza indenizatória e patrimonial e fica sujeita às regras e procedimentos adotados para as medidas judiciais dessa natureza.” (MARTINS, José Celso. (Revista Justilex – Ano V – Nº 51 – Março de 2006 – pág. 58).

Digo isso, porque após a efetiva rescisão do contrato trabalhista entendo que não há como o empregador “ordenar” que o trabalhador abra mão de algum direito. E isso não é novo, porque existem milhares de processos judiciais em andamento perante os Tribunais Regionais do Trabalho, em que os empregados tiveram seus contratos rescindidos por meio de comunicado de dispensa, mas tiveram que entrar com ação judicial para receber seus direitos trabalhistas, porque o empregador não o fez, ou seja, não formalizou o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho – TRCT, bem como não realizou o pagamento das verbas devidas.

Mister lembrar que a Justiça Trabalhista representa a imposição do Estado às leis por meio da autoridade, enquanto que na arbitragem, vigora o princípio da autonomia da vontade das partes e, a homologação da rescisão do contrato trabalhista no juízo arbitral ratifica esse princípio de respeito à vontade das partes, e de que tal vontade, desde que livre e espontaneamente formalizada, não pode ser modificada ou anulada posteriormente por interferência do Estado.

Nesse diapasão ensina o professor Cândido Rangel Dinamarco quando repele o fato com que “a facilidade na aceitação pelo poder estatal dos argumentos da parte que vem impugnar uma sentença arbitral, sem a preocupação por um equilíbrio entre o estatal e o convencional e sem valorizar a vontade das partes como fonte da decisão que depois uma delas veio a criticar. A prevalecer essa facilidade para a invalidação de sentenças arbitrais, poder-se-ia perguntar, como perguntou um juiz da Corte d’Apello de Gênova: `mas por que as partes recorrem à arbitragem, se sempre voltam a nós?”  (DINAMARCO, Cândido Rangel. no artigo “Limites da Sentença Arbitral e de seu Controle Jurisdicional”, in (Reflexões sobre arbitragem, São Paulo, 2000. p. 341).

A conciliação na arbitragem é fruto da vontade das partes, e por isso impõe seja mantida, em qualquer grau ou jurisdição. Nesse sentido prevê o art. 836 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que veda admitir questões já decididas, e entre elas está a homologação de acordo.

Apenas a título de esclarecimento, destaca-se que as normas legais que tratam sobre a indisponibilidade dos direitos trabalhistas se referem à proteção do trabalhador quanto ao registro de emprego, intervalo para as refeições nas jornadas superior a seis horas, estabilidade, dentre outras, porém, expressamente durante a relação contratual e nunca após sua extinção.

Assim, quando se tratar de homologação arbitral de rescisão contratual trabalhista, entendo que não há que se falar em direitos indisponíveis, porque impera o caráter patrimonial após a extinção do contrato de trabalho, sendo admissível realizar acordos, pois impera a própria vontade das partes e o objetivo é puramente econômico.

Com efeito, está comprovada a disponibilidade dos direitos trabalhistas, salvo os diretos sociais, razão pela qual entendo que a homologação arbitral de rescisão de contrato trabalhista não pode ser objeto de nova demanda, com fundamento no art. 18 da lei de arbitragem que diz que o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que ele proferir não estará sujeita a recurso ou homologação pelo Judiciário.

Por fim, eleito pela vontade das partes o juízo arbitral para homologação da rescisão de contrato trabalhista, finalizo que é defeso ao Poder Judiciário reapreciar a matéria em questão, fundado nos dispositivos legais do Art. 836, CLT e Art. 485, IV, CPC e principalmente no dispositivo Constitucional do Art. 5º, XXXVI, CF-88.

BIBLIOGRAFIA

MARTINS, José Celso. Revista Justilex – Ano V – Nº 51 – Março de 2006 – pág. 58.

DINAMARCO, Cândido Rangel. no artigo “Limites da Sentença Arbitral e de seu Controle Jurisdicional”, in (Reflexões sobre arbitragem, São Paulo, 2000. p. 341).

  • Melanie de Carvalho Tonsic.

Advogada. Palestrante. Consultora. Mediadora. Arbitralista. Fundadora e Presidente da ACORDIA Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem. Membro da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB/MT. Membro da AB2L – Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.

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