Jogar bola virou ‘crime’ em condomínio do Rita Vieira; PM foi acionada

Brincadeiras e jogar bola viraram “crime” em um condomínio do Rita Vieira, em Campo Grande. Isso porque alguns vizinhos acionaram a Polícia Militar na última terça-feira (17), para conter o barulho das crianças. Segundo denúncia, foi uma forma de amedrontar pais e mães, após diversas ameaças de acionar autoridades em grupo de WhatsApp. 

A desavença é grande no local, que já ficou conhecido como “condomínio anti-criança” numa rua em que existem seis residenciais diferentes. 

Um vasto material contendo prints e conversas do grupo do condomínio foram enviados ao TopMídiaNews. Nas imagens, é possível ver que as reclamações sobre as crianças e o barulho são diárias por alguns moradores do local. Além disso, as ameaças de acionar o Conselho Tutelar e PM são constantes.

Eles não concordam que o grupo de cerca de dez crianças brinque nas ruas em frente aos seus blocos. E seja de dia, de tarde ou de noite, os reclames ocorrem. Alguns pais respondem e outros preferem se calar para não se envolver em briga, mas a situação ficou insustentável.

Após a PM ser acionada, um dos vizinhos, que faz parte do Conselho do Condomínio, informou que os pais poderiam ir falar com a equipe. No local, apenas 3 vizinhos reclamantes das crianças no grupo compareceram, ao passo que diversos pais e mães ficaram indignados e questionaram a necessidade de “chamar” a Polícia para crianças.

Mães e Pais indignados

“Não entendem que é época de férias. Essas mesmas pessoas reclamam todos os dias. As crianças não podem ir próximo ao bloco deles, que já começam o furdunço no grupo”, disse uma.

“As crianças brincam em frente ao meu bloco. Eu pago condomínio igual a todos eles. Isso aí já é falta do que fazer. Concordo que tenha horário, que tem os mal-educados, mas acionar a Polícia foi demais”, disse um pai.

Na frente dos militares, outra mãe revoltada: “Essas aí não tem o que fazer dentro de casa para se importar tanto com o barulho de bola dessas crianças.”

“Querem que as crianças fiquem trancadas dentro de casa. Cheguei com meu filho hoje de viagem, deixei ele descer pra brincar e, quando vi, já estavam reclamando”, disse outra.

“Elas falam que não conseguem fazer nada na casa delas. Final de semana, dizem que incomodam, dia de semana incomoda. Vão brincar na grama, tem gente reclamando. São pessoas adultas e completamente intolerantes”, afirmou uma terceira.

“Isso aí já beira ódio a criança, intolerância e até penso que pode ser situação de discriminação apenas por ser criança. Porque se tornou diário. Não tem mais credibilidade a reclamação deles. Parecem que o problema é por serem crianças”, disse uma quarta mãe à equipe policial. 

O que disse a PM?

A equipe formada por três policiais militares foi até o local e enfatizou que, por enquanto, não se tratava de caso de Polícia. O sargento responsável orientou o síndico e os moradores a realizarem uma Assembleia e resolver a situação de forma administrativa com diálogo.

“A gente já orientou fazer Assembleia, porque isso, neste momento, é coisa administrativa e não criminal. Orientei a organizar uma área de lazer e limitar um horário para as crianças ficarem.”

Após a explicação, uma vizinha insistiu em dizer que poderia se encaixar em contravenção, ou perturbação do sossego, ou trabalho. 

A PM convidou o grupo a ir até a Delegacia, caso quisesse para registrar ocorrência, mas nenhum dos reclamantes quis ir. 

O que diz o Conselho Tutelar? Crianças estão largadas?

Em consulta a uma conselheira tutelar de Campo Grande, que preferiu não se identificar no texto, ela informou que não considera que as crianças estejam desassistidas ou largadas quando os pais estão em seus apartamentos. Isso porque o espaço da área comum está dentro do condomínio fechado, o qual residem.

“Não vejo como desassistidos. As crianças estão de férias, estão em condomínio e elas querem brincar. Crianças gritam, correm e fazem barulhos. Como vamos cercear os direitos dessas crianças? Acho que é questão do síndico mesmo, orientação, Assembleia e estipular horários, terem o seu espaço também com área de lazer.”

A Conselheira ressalta a importância de horários estipulados em comum acordo entre os moradores para evitar conflitos.

Órgão de proteção e não de punição!

A conselheira explica ainda que as pessoas entendem erroneamente que o Conselho Tutelar seja órgão de punição. Mas se trata de órgão de proteção, para atender ocorrências de violência contra criança, abusos, crimes e situações que estejam infligindo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

 “As pessoas não entendem que o Conselho é um órgão de proteção e não de punição. Por mais que algumas pessoas entendam que é negligência dos pais, não é bem assim. Essas crianças têm o direito de brincar. Se elas estão bem alimentadas, saudáveis, protegidas, não há crime por estarem gritando na hora da brincadeira. A não ser que estejam quebrando uma janela, por exemplo, ou coisa grave. O Conselho vai em caso específico de violação de direitos como violência doméstica, questões de abuso […].”

A conselheira não enxerga que o caso [barulho de crianças brincando] caiba uma “contravenção ou perturbação do sossego” e diz ainda que primeiramente deve haver orientações, reuniões de condomínio, ou mesmo acionar o Conselho para palestras, reuniões e esclarecimento de situações envolvendo crianças e adolescentes. 

“Quem mora em condomínio tem que ter bom senso. Pois, usar indevidamente serviço público para resolução de conflitos não é o ideal. A polícia, por exemplo, pode deixar de atender situação de crime para atender conflito de condôminos.” 

O que dizem os reclamantes?

Alguns dos vizinhos reclamantes indicam falta de horário para as brincadeiras e o incômodo após às 18h. Também dizem que algumas das crianças falam palavrões e gritam durante o período que estão juntas. Esse seria o maior problema, segundo eles.

(Moradores não querem crianças fazendo barulho próximo ao bloco. Foto: Arquivo Pessoal)

 

A ideia é ter solução do condomínio, que apesar de ter um parquinho que funciona de segunda a sábado até às 17h, não está sendo o único lugar usado pelos menores para brincar nas férias. 

O que diz o síndico?

Durante a confusão, o síndico do condomínio informou aos pais e demais moradores que fará Assembleia Geral em 25 de janeiro, com horário a ser definido. Segundo ele, na ocasião os moradores terão oportunidade de falar sobre o problema e propor soluções.

De forma antecipada, alguns dos pais conversaram entre si e estipularam o horário das 19h para as crianças se recolherem. Mas não foi firmado nada sobre proibições de brincadeiras ou permanência delas em área comum. 

Questionado, o síndico informou que “os moradores devem levar isso em ata para registrar e ser discutido“. Segundo ele, não é possível que ele leve a questão para não pender para um lado ou para outro. 

* O nome do residencial, bem como dos envolvidos não foram identificados para a preservação dos menores. O espaço está aberto caso algum morador queira se posicionar a respeito.

 

Fonte: Top Mídianews