Imóvel alugado, taxa condominial dívida

Imovel alugado

Alugado o imóvel, quem responde pelo débito condominial? O proprietário? O locador? O locatário?

Conforme o artigo 1.336, do Código Civil, é dever do condômino “contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”.

Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: condômino “[De con– + lat. dominus, ‘senhor, dono’] S.m. Dono junto com outrem; co-proprietário, comunheiro” (NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed., 1.991, pág. 449).

É preciso convir, entretanto, que a palavra “proprietário” tem outros significados.

Assim, de acordo com o Dicionário HOUAISS: “proprietário adj.s.m. (sXIV) 1 que ou aquele que possui (algo); possuidor (p. de uma coleção de livros raros) 2 que ou aquele que detém a posse legal de um bem imóvel, de terra, fábrica, casa comercial, banco, empresa de prestação de serviços etc. ø ETIM lat. proprietarius,a,um ‘pertencente a alguém ø COL proprietariado” (DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª ed., 2.009, pág. 1.563).

Pode-se, por isso, dizer que condômino é o dono do imóvel, seu proprietário (“São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas”, conforme § 2º, do artigo 1.334, do Código Civil).

A noção de ser proprietário aquele que tem o título aquisitivo de bem imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente, previsto no Capítulo II (DA PROPRIEDADE IMÓVEL), Seção II (Da aquisição pela transcrição do título), do Código Civil brasileiro de 2.002, é, portanto, apenas um dos sentidos juridicamente possíveis: “Art. 531. Estão sujeitos à transcrição, no respectivo registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos”, equivalente ao art. 1.245, do Código Civil brasileiro de 1.916, que dizia “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” é, pois, válido apenas para o conceito estrito de proprietário, mesmo porque, ainda no âmbito do Direito pátrio, a expressão “proprietário” utilizado em sentido diverso, mais amplo, como se viu, num julgamento de ilícito penal, quando o colegiado de certo tribunal proclamou que o “fato criminal”, para se interpretar que o bem imóvel havia sido transferido, dispensava não só a escritura pública, como, também, o próprio registro de Cartório de Registro de Imóveis competente (TRF-4 – Apelação Criminal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR – 8ª. Turma – rel. Desembargador João Pedro Gebran Neto – j. 24.01.2018).

Não sem razão ensinam os Professores Flávio Tartuce e José Fernando Simão, e o ensinamento tem interesse para o caso aqui objetivado: “caso imóvel seja alugado ou emprestado, nem o locatário, nem o comodatário figurará no polo passivo da ação de cobrança, pois o devedor é o titular do direito de propriedade, independentemente de quem ocupe o imóvel” (DIREITO CIVIL / 4 – Direito das Coisas, 5ª ed., 2.013, São Paulo: Método, pág. 304) (negrito nosso).

A lição do Desembargador Humberto Adjuto Ulhôa é nesse sentido: “Conforme o artigo 12 da Lei nº 4.591/64, tem legitimidade para figurar no pólo passivo da ação de cobrança de despesas condominiais o proprietário do imóvel, obrigado contratualmente pelo pagamento respectivo, pois se trata de obrigação propter rem, decorrente do direito de propriedade. In casu, os documentos de fls. 92/103 demonstram, efetivamente, que o proprietário do imóvel sub judice encontra-se devidamente registrado no Cartório competente como sendo (…) Ora, não importa que entre o proprietário/locador, ora apelante, e os locatários tenha se convencionado que estes últimos estavam obrigados a pagar as taxas condominiais, pois esse acordo não vincula o condomínio, ora apelado, gerando efeitos apenas entre as partes, ressaltando-se que a responsabilidade pelo pagamento de taxas condominiais é sempre do proprietário. Logo, deve responder pelos encargos condominiais, o apelante e não os locatários” (TJDFT –  Apelação Cível nº 2006011011823-5 – 3ª Turma Cível – j. 17.08.2006) (negrito nosso).

Tal é a conclusão no sentido estritamente jurídico.

No entanto, admitindo a propositura da ação de cobrança em face do proprietário e do locatário, proclamou a Ministra Nancy Andrighi: “18. Por todo o exposto, conclui-se que a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha um relação jurídica vinculada ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação. 19. Na espécie, o Condomínio recorrente ajuizou a ação contra ambos – proprietário e arrendatário do imóvel -, atitude plenamente justificada em prol da coletividade de condôminos. 20. Ressalte-se, por fim, que não se está a falar em solidariedade entre proprietário e arrendatário para o pagamento dos débitos condominiais em atraso, até mesmo porque, como se sabe, a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes. O que se está a reconhecer é a possibilidade de a primeira recorrida, arrendatária do ponto comercial, figurar no polo passivo da presente ação de cobrança” (STJ – Recurso Especial nº 1.704.498/SP – 3ª. Turma – j. 17.04.2018).

A mesma solução adotou a Justiça nos casos de acidentes de veículos, de carros regularmente segurados. Devedor da obrigação de reparar tal dano é, evidentemente, do condutor ou do proprietário do veículo envolvido no acidente. Todavia, tranferida à obrigação de reparar à seguradora (prova documental feita pela juntada de apólice do seguro), passou a Justiça a entender que a ação de indenização podia/devia ser ajuizada diretamente contra a empresa seguradora, proclamando a ilegitimidade passiva do proprietário do veículo acidentado, devedor da indenização.

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Por esse motivo – Resp. nº 1.704.498/SP -, admitir-se-á a denunciação à lide da locatária na ação proposta pelo condomínio para “cobrança” da taxa condominial.

Mas a referida solução não é unânime na Justiça.

Situação extrema foi solucionada pela 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, em v. aresto relatado pelo Ministro Moura Ribeiro, nos seguintes termos:  “Portanto, em se tratando de ação de cobrança de cotas condominiais proposta pelo condomínio, o débito perseguindo é dos imóveis, não tendo os seus locatários ou inquilinos pertinência subjetiva para a demanda, sendo dever da proprietária, a …, efetuar o pagamento dos ônus incidentes sobre eles. Contudo, conforme destacado acima, a ação foi manejada corretamente contra a …, proprietária dos imóveis, que não está de acordo com a referida determinação por entender ser de sua responsabilidade o pagamento dos rateios condominiais. Desta forma, entende que o CONDOMÍNIO não pode notificar, por via administrativa, todos os seus inquilinos para que eles passem a pagar diretamente a ele, CONDOMÍNIO/credor, as despesas condominiais vincendas a ele, CONDOMÍNIO, o credor. Note-se que a referida medida não teve o condão de incluir os locatários no pólo passivo da demanda e nem poderia, na medida em que, como dito, eles não possuem pertinência subjetiva para a lide, até porque o caso versa sobre obrigação propter rem. A tutela concedida diante das peculiaridades do caso concreto, tais como, os apartamentos alugados e de propriedade da … correspondem a mais de 35% do total das unidades do condomínio, e a resistência dela em honrar com a sua obrigação vem ocasionando prejuízos ao CONDOMÍNIO, que, conforme destacado no acórdão recorrido, se encontra em condição precária, pois a dívida apurada até 28/2/2007, devidamente corrigida a acrescida de multa, perfazia o montante de R$472.373,93, agravando a sua situação financeira. A determinação do acórdão, inegavelmente, está amparada pelo princípio da efetividade da prestação jurisdicional que se extrai de art. 461-A, § 3º, do CPC/73, que dispõe: Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (…) § 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461. Anote-se que na obrigação de dar está embutida a obrigação pecuniária de dar dinheiro, pagar. O Código de Processo Civil, portanto, traz instrumentos processuais úteis ao jurisdicionado para a obtenção do cumprimento da obrigação ou o seu resultado prático equivalente. (…) A tutela concedida comporta a autorização para que o CONDOMÍNIO notifique, por via administrativa, todos os inquilinos da … para que passem a pagar diretamente a ele as despesas condominiais vincendas, podendo ser cumprida nos mesmos autos em que se desenvolveu o processo de conhecimento, sendo desnecessária a propositura de ação executiva autônoma, de acordo com o art. 461-A, § 3º, do CPC/73, novamente reproduzida no art. 538, § 3º, do NCPC” (STJ – Recurso Especial nº 1.632.761/SP – 3ª. Turma – j. 06.06.2017) (negrito nosso).

Enfim, devedor da taxa condominial é, realmente, o “proprietário”. Contudo, tem-se entendido, conforme a situação de fato, que não é justo imputar o débito (legitimidade passiva no processo de cobrança) ao condômino assim regularmente reconhecido nos documentos, quando terceiro é que tira proveito da ocupação da unidade condominial.

De qualquer forma, porém, por se tratar de obrigação “propter rem”, o proprietário do imóvel poderá vir a ser responsabilizado pelo seu pagamento.

FÁBIO HANADA – Membro efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB/SP, Relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, coautor dos livros “A Lei do Inquilinato: sob a ótica da doutrina e da jurisprudência” e “Condomínio Edilício – Questões Relevantes: A (Difícil) Convivência Condominial”, Advogado nas áreas Imobiliária e Condominial há mais de 25 anos.

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