Democratas, Uni-vos!
A corrente crise política entre os poderes do Estado é grave, mas o que mais impressiona é que os atores nela envolvidos não procuram elaborar um pensamento e uma ação que unifiquem minimamente as diferentes partes que cobiçam o poder.
Vai-se numa toada em que ninguém parece se importar com a fragmentação política, o acirramento dos conflitos e a afirmação de interesses autocentrados. Impressiona porque as tribos políticas não dialogam entre si, criam um cenário bélico e terminam por funcionar como barreiras que impossibilitam o alcance de soluções para essa crise, e para as próximas que por certo virão.
O que se tem é uma luta insana por poder.
De nada adianta que o STF fique “empoderado”. Não é ele o construtor de consensos, não é árbitro de disputas políticas e nem pode ser ele quem governe.
É chocante que diante da gravidade da crise, os democratas estejam paralisados, comportando-se como meros espectadores. Os democratas de esquerda e de centro, “radicais” e moderados, todos eles.
Assistem ao circo pegar fogo acomodados em seus recantos, dos quais nada se ouve. Os ruídos que porventura emitem não passam de balas de festim.
Causam a impressão de que desejam tirar vantagem do desgaste político em curso, que afeta tanto a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, quanto particularmente a Presidência da República, que não governa. Por extensão, a crise prejudica o País.
Os democratas parecem acreditar que o aprofundamento da crise fará com que caia em seu colo uma candidatura presidencial competitiva para 2026. Jogam parados, esperando o cansaço dos adversários. Se Lula não se mostra capaz de enfrentar a situação, os democratas se veem como beneficiários naturais do que se imagina ser um vazio de competidores em condições de construir uma solução para a crise política e para o futuro do País.
Só que esbarram em vários obstáculos.
O primeiro, e mais saliente, é que o silêncio não é bom companheiro de estrada. Os democratas precisam falar, se diferenciar, aparecer com cara própria. Hoje, a pergunta que se faz é: quem são eles, onde estão, o que pensam e propõem? Sem responder a essa pergunta, os democratas não são nada.
Outro obstáculo é que não se sabe se estão em gestação nomes para dar corpo eleitoral aos democratas. Será preciso dar nome aos bois. O Brasil vive hoje uma crise de liderança e de autoridade: não há políticos com visão de futuro, representatividade e capacidade de interlocução social. Nem dentro, nem fora dos partidos. Não há empresários, nem líderes sindicais, nem ativistas da sociedade civil, que falem para a sociedade, ou que seduzam as massas. Eventuais lideranças são regionais, não têm envergadura nacional. Se quiserem ter futuro, terão de se mostrar à sociedade, formar uma opinião pública favorável, o que somente será possível mediante ampla circulação pelo País e um discurso concatenado, persuasivo e coerente,
Um terceiro obstáculo é a retração social. A população está cansada de mais do mesmo. Caminha de costas para a política, indiferente a ela, hostil a ela, descrente dela. Não há mais, como no passado recente, grupos que agreguem os indivíduos e lhes deem um sentido coletivo, quem sabe uma consciência crítica. Os indivíduos fazem carreiras-solo, buscando “empreender”. Querem liberdade de ação, aspiração real ainda que confusa. São personagens do mundo informal, das redes e dos aplicativos.
A aversão social à política incentiva o aparecimento, aqui e ali, de políticos se apresentando como “salvadores da Pátria”, com cantilenas populistas vindas da direita extrema ou da esquerda. Nada disso ajuda a democracia ou beneficia os democratas. Com a prevalência dessa vertente, o futuro ficará bloqueado e a sociedade permanecerá remoendo suas chagas, como tem ocorrido nos últimos anos.
Não há mais unanimidades entre nós. Os que um dia foram líderes estão hoje desaparelhados para enfrentar o novo mundo que temos pela frente, com sua complexidade nacional e internacional.
Alguma fantasia de novo tipo precisará surgir para resgatar os indivíduos para o campo democrático ativo. Para a política.
Falar em ricos contra pobres, em taxações pesadas sobre as bets e a faria lima, soa como palavras ocas, cuja materialidade não é transparente. Será com esse tom que Lula disputará as eleições em 2026, e é difícil ver como conseguirá vencer sem um novo script. Simplesmente porque o script ora ensaiado não faz sentido para a maioria da população, servindo apenas para reforçar os estigmas anti-Estado, anti-Brasilia, antipolítica. Ajuda a aumentar as chances da direita não democrática.
Os democratas não estão levando a sério o desafio da própria unificação. Não acreditam na necessidade de programas sustentados por consensos estratégicos. Espalham-se caoticamente por partidos, sem terem sua própria organização. Nas grutas em que se refugiam, passam o tempo estudando mapas e jogando xadrez, mas fazem isso de modo amador, sem pensar nos lances sucessivos. Olham para a pequena, não para a grande política. Se continuarem assim, chegarão a 2026 com as mãos vazias, sem forças até mesmo para correrem como azarões.
Recentemente, na Revista Será? De 20 junho de 2025, “Uma Terceira Via é Viável?”, Sérgio C. Buarque sugeriu uma série de pontos que poderiam compor uma agenda de “terceira via” no Brasil. Por que não seguir as sugestões dele – e de outro intelectuais – e avançar nesse território que, no momento, parece desocupado?
Tal especulação também diz respeito ao PT. Permanecerá ele confiando na divisão da direita e na polarização como recurso eleitoral? Nós, os pobres. contra eles, os ricos? Será uma insistência virada para trás, um tiro no pé, diretriz quase suicida.
Mas também há democratas no PT, talvez até majoritariamente. A escolha de Edinho Silva para presidir o partido mostrou que o PT pode se renovar.
Não teria chegado a hora de os petistas descerem do trono em que se encastelaram, de onde controlam as diversas esquerdas do País, e buscarem os democratas de centro, liberais, socialistas, socialdemocratas, para juntos projetarem algo consistente para o País? Se assim procedessem, ajudariam a promover uma unificação que se faz necessária para que evitemos, seja uma nova noite autoritária, seja o prolongamento das mazelas e injustiças brasileiras.
E então, democratas, qual vai ser?







