BRICS 2025
Nos dias 6 e 7 de julho de 2025, o Brasil recebeu, no Rio de Janeiro, a cúpula dos BRICS — encontro anual deste bloco político-econômico que teve, no seu fundamento, em 2009, a missão de ampliar a cooperação entre países do Sul Global. Não é preciso muitos cliques nos portais de mídia tradicional brasileira para encontrar uma preocupação em comum quando o assunto é BRICS: há um risco de o Brasil ser visto como anti-ocidental?
Essa pergunta é maliciosa, pois pressupõe que não estar de acordo com as posições ou princípios do Ocidente (se é que podemos entender algo homogêneo do que é “ser Ocidente”) seria arriscado, temerário. É evidente que esse imaginário anti-ocidental é fruto da presença fundadora da Rússia — em guerra com a Ucrânia; da China — em amplo desenvolvimento de um sistema internacional econômico pautado nas suas próprias regras financeiras; e do Irã — membro do BRICS desde a aprovação de sua expansão em 2023, que acabou de passar por uma guerra de 12 dias de bombardeios aéreos com Israel, com amplo apoio e participação dos EUA contra os iranianos. Todos vistos como atores que confrontam a “pacífica” ordem internacional.
Lembremos dos mais de 60 mil palestinos assassinados em Gaza, até aqui. Que foram os EUA quem atacaram e sancionaram os iranianos — e não o contrário. Lembremos da pressão dos EUA para incorporar a Ucrânia à OTAN, desbalanceando o equilíbrio de poder no Leste Europeu. Lembremos que a China é o terceiro maior destino dos produtos exportados pelos EUA — e de onde os EUA mais importam produtos.
Não podemos nos esquecer de que esta narrativa “do perigo anti-ocidental” carrega intencionalidade. Trata-se de um artifício para frear qualquer transformação ou enfrentamento às imposições da estrutura de poder vigente no sistema internacional. Afinal, “desdolarizar o comércio internacional é problemático e perigoso” — vão dizer os norte-americanos, obviamente em oposição a qualquer movimento que os desfavoreça. Não à toa, Trump bradou (no Twitter): “qualquer um que se alinhar com as políticas anti-EUA dos BRICS receberá mais 10% de tarifa”. Há quem chame isso de imperialismo. É normal, nas relações internacionais, que o ator hegemônico reaja a qualquer movimentação que prejudique sua posição privilegiada no sistema internacional. Então, não é surpreendente essa posição dos EUA. Foram diversas vezes, na história da sua centenária hegemonia nas relações internacionais, que os EUA estabeleceram um muro no sistema internacional: de um lado, os virtuosos do Ocidente; do outro, os perigosos do Oriente.
No entanto, temos que admitir que o Brasil esteja no continuum oposto da cadeia de países dos BRICS que enfrentam a ordem ocidental. Regularmente cauteloso e pragmático na forma como entende seu posicionamento em termos de política externa, houve um momento em que o país entendia favoravelmente a ideia de criar uma moeda comercial comum dos BRICS — hoje, já nem tanto. O contexto internacional mudou.
Em um cenário de conflitualidade internacional latente, que aflige a Europa e o Oriente Médio, bem como com o crescimento de representações radicais de extrema direita nas lideranças e nos parlamentos dos países ocidentais, o Brasil opta pelo discurso de justiça social e paz — mas cuja prática de política internacional é cuidadosa. “Pisa em ovos”, por assim dizer.
A Declaração-Marco dos líderes dos BRICS (07/07/2025), sob presidência brasileira, reflete isso. Enfatiza o compromisso com o enfrentamento da crise climática global — tema de primeira ordem para o Brasil — e reforça o “compromisso com a reforma da arquitetura financeira internacional (…) para erradicar a pobreza”. Evidentemente, trata-se de compromissos necessários e louváveis. E é bem verdade que, em um contexto internacional efervescente, até gera certa satisfação termos uma representação política brasileira com compromissos internacionais de tamanha justeza. O problema está no como. Como passar de compromisso para implementação de facto? Eis a questão.
A história diplomática brasileira nos ensina que, nesses quase 140 anos de República, o Brasil não se caracteriza por ser um ator confrontativo da ordem internacional. Pelo contrário, passivo. Expressa suas opiniões — que, sim, são alteradas a depender da composição das suas lideranças no poder —, mas que acompanha o caminho das potências.
Em O Nacionalismo na Atualidade Brasileira (1958), o professor Hélio Jaguaribe traça caminhos para uma posição mais adequada do Brasil na ordem internacional, através de uma posição de “rígida neutralidade”. Resumo aqui para vocês. O contexto era de Guerra Fria, mundo bipolar, EUA vs URSS. No entanto, Jaguaribe (e outros de sua época) entendia que o real divisionismo do sistema internacional era entre países ricos vs países pobres. O Brasil, na faixa dos pobres, deveria adotar uma posição de diversificação dos seus parceiros internacionais — sem que isso significasse ruptura com os EUA, principal aliado brasileiro na época. Isso seria uma posição de rígida neutralidade: alcançar o máximo dentro do que consegue. Jaguaribe acerta ao entender o limite da capacidade da política externa brasileira. Mas deixa de lado uma variável importante: as elites brasileiras. (Talvez esse seja um dos problemas de grande parte das análises em Relações Internacionais, de modo geral.)
Voltemos à questão do “anti-ocidental”. O Brasil sempre se viu como “ocidental”, pois foi assim que nossas estruturas de poder, de governança e de gestão econômica foram constituídas. Desde o colonialismo português, passando pela presença inglesa que financiou o desenvolvimento do Brasil-Império em articulação com a aristocracia brasileira; até mesmo o desenvolvimento econômico de base agroexportadora, incentivado pelos norte-americanos em dependência de seus produtos industrializados no século XX. A elite brasileira é sequaz do processo de dependência econômica brasileira, pois mantém sua posição de poder dessa forma.
Sim, tivemos lapsos (ou vontade) de reformas na nossa história. Podemos citar o processo de substituição de importações com Getúlio Vargas (1930), ou a política externa independente de San Tiago Dantas (1961), ou mesmo a política externa para o Sul Global — altiva e ativa — dos governos petistas desde os anos 2000. Mas nenhuma delas propôs uma revolução na política externa. Vargas entendia a importância de manter os EUA por perto, ainda que começasse a se aproximar do industrial alemão em busca de transferência tecnológica. San Tiago Dantas propunha se aproximar dos países satélites soviéticos, e da própria URSS, lembrando que “nossa Nação é predominantemente ocidental, nosso esforço nacional é dirigido para a obtenção de sistema de vida democrático, politicamente e socialmente.” Lula fala sobre Sul Global, mas sempre dentro das regras do jogo do sistema ONU, do Direito Internacional — sendo uma voz do multilateralismo liberal ocidental. E todos buscaram tranquilizar as elites nacionais em todo o processo. E quando o reformismo é demasiado, são ceifados do poder.
Essa é a política externa brasileira. Nada de novo. Mesmo sob um governo progressista, o poder executivo brasileiro continua nas mãos das elites econômicas tradicionais que, hoje, podemos resumir como: Faria Lima e Agronegócio. E pautam a agenda tributária, econômica e financeira através de seus representantes no Congresso Nacional e no Senado. O que Wright Mills chamava de “agentes secundários da elite do poder”, chamamos de “centrão”. Em outras épocas, outros nomes. É assim desde a nossa independência. Sem projeção de mudança.
Enfim, a essa elite dirigente que se preocupa se parecemos “anti-ocidentais” por estarmos nos BRICS, eu os tranquilizo: o Brasil está longe de ser anti-ocidental. Não tem vocação e nem vontade de ruptura social para tanto. Vai ver que foi por isso que nem Xi Jinping (China), nem Putin (Rússia) e nem Pezeshkian (presidente do Irã) estiveram na cúpula dos BRICS. Sabem da importância do Brasil para suas economias — mas parece que cessa por aí.
DANTAS, San Tiago.?Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1962.
JAGUARIBE, Helio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Brasi?lia: Funag, 2013.
MILLS, C. Wright. A Elite do Poder. Tradução: Waltensir Dutra. RJ: Zahar Editores. 1968.







