Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica podem atingir fundos de investimento

Efeitos da desconsideração da personalidade jurídica podem atingir fundos de investimento

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica atinjam os fundos de investimento. Segundo o colegiado, embora esses fundos não tenham personalidade jurídica, eles titularizam direitos e obrigações e, além disso, podem ser constituídos ou utilizados de forma fraudulenta pelos cotistas – pessoas físicas ou jurídicas –, fatos que justificam a aplicação do instituto.

Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, no curso de uma execução, confirmou a rejeição dos embargos de terceiro opostos por um Fundo de Investimento em Participações (FIP) contra o bloqueio e a transferência de ativos de sua propriedade, após a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa holding.

Em recurso especial dirigido ao STJ, o fundo de investimento alegou que não foram preenchidos os requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que os FIPs são constituídos sob a forma de condomínio fechado, sem personalidade jurídica, motivo pelo qual não poderiam ser atingidos pela medida.

Comprovação de abuso de direito autoriza desconsideração da personalidade

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que a Lei 4.728/1965, ao disciplinar o mercado de capitais, realmente caracterizou os fundos de investimento como entes constituídos sob a forma de condomínio, definição posteriormente seguida pelo Banco Central na Circular 2.616/1995.

Atualmente, prosseguiu, está em vigor a Instrução 555/2014 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo a qual o fundo de investimento pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto – que permite ao cotista solicitar o resgate de suas cotas – ou fechado – no qual as cotas só são resgatadas ao fim do prazo de duração do fundo.

Além de lembrar que os fundos estão sujeitos a regramento específico da CVM, o ministro destacou que esse tipo de condomínio, embora seja destituído de personalidade jurídica e exerça suas atividades por meio de administrador, é dotado de direitos, deveres e obrigações.

“Assim, o fato de ser o FIP constituído sob a forma de condomínio e não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial”, afirmou.

Fundo teria sido constituído para ocultar patrimônio de empresas do grupo

Citando doutrina a respeito do tema, Villas Bôas Cueva ressaltou que as prerrogativas do artigo 1.314 do Código Civil não são conferidas ao cotista de fundo de investimento, tendo em vista que ele não desfruta plenamente de direitos relacionados aos ativos que possua no fundo constituído, mas apenas dos direitos ligados à sua fração de participação.

Nesse sentido, o relator reconheceu que o patrimônio gerido pelo FIP pertence, em condomínio, a todos os investidores, o que impede a responsabilização do fundo pela dívida de um único cotista.

“Apenas em tese, repita-se, não poderia a constrição judicial recair sobre o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora apenas da sua cota-parte”, completou o ministro.

No caso dos autos, entretanto, Villas Bôas Cueva destacou que essa regra deve ceder à constatação de que a própria constituição do fundo de investimento ocorreu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas integrantes do mesmo grupo econômico – tomando-se cuidado, contudo, para não atingir as cotas daqueles que não possuam nenhuma ligação com a parte executada no processo.

O relator ressaltou que, no momento da constrição determinada pelo juízo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurídica do devedor, o fundo de investimento possuía apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico – o que revela que o ato judicial não atingiu o patrimônio de terceiros.

“Além disso, o fato de o fundo de investimento ser fiscalizado pela CVM e de ter todas as informações auditadas e disponibilizadas publicamente não impede a prática de fraudes associadas, não às atividades do fundo em si, mas dos seus cotistas (pessoas físicas ou jurídicas), que dele se valem para encobrir ilegalidades e ocultar patrimônio. Disso também resulta a irrelevância do fato de se aferir incremento em seu patrimônio líquido”, concluiu.

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Esta notícia refere-se ao processo: REsp 1965982

RECURSO ESPECIAL Nº 1965982 – SP (2021/0219147-9)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : PINHEIROS FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPACOES
OUTRO NOME : BERTIN FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES
OUTRO NOME : PINHEIROS FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES
MULTIESTRATÉGIA
ADVOGADOS : MARIANA TAVARES ANTUNES – SP154639
MARCUS VINICIUS VITA FERREIRA – DF019214
BERNARDO CAVALCANTI FREIRE – SP291471
ALEXANDRE DE MENDONÇA WALD – SP107872
LEONARDO PEREIRA SANTOS COSTA – DF065489
RECORRIDO : BASF SA
ADVOGADOS : CELSO CINTRA MORI – SP023639
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON – SP103560
RONALDO VASCONCELOS – SP220344
INTERES. : ARAGUACI ALMEIDA DA SILVA OBREGON
INTERES. : ARNALDO JOSÉ FRIZZO FILHO
INTERES. : CARLOS GILBERTO SANTOS OBREGON
INTERES. : GLP PARTICIPACOES E ADMINISTRACOES SC LTDA
INTERES. : INDUSTRIAS BERTIN LTDA
INTERES. : JUKA PARTICIPACOES SC LTDA
INTERES. : LUCIDE APARECIDA FRIZZO
INTERES. : MEIRIVONE TEIXEIRA DE MORAIS
INTERES. : MV-ADMINISTRACAO DE PATRIMONIO S/C LTDA
INTERES. : HEBER PARTICIPACOES S. A. EM RECUPERACAO JUDICIAL
INTERES. : RIOBER PARTICIPACOES LTDA
INTERES. : RITA DE CASSIA CAETANO FERNANDES DE CARVALHO
INTERES. : SANDRO ALVES DE CARVALHO
INTERES. : XINGULEDER COUROS LTDA
INTERES. : SILMAR ROBERTO BERTIN
INTERES. : NATALINO BERTIN
INTERES. : REINALDO BERTIN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO À EXECUÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS. NECESSIDADE. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PEDIDO E DECISÃO JUDICIAL ANTERIOR. EXISTÊNCIA. REGULARIDADE FORMAL. FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES (FIP). NATUREZA JURÍDICA. CONDOMÍNIO ESPECIAL. COTAS. CONSTRIÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir: a) se houve negativa de prestação jurisdicional; b) se houve cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido de produção de provas; c) se um fundo de investimento pode sofrer os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica e d) se estão presentes, na espécie, os pressupostos necessários
para a aplicação do referido instituto.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
4. Modificar a conclusão do Tribunal de origem, soberano quanto à análise da necessidade ou não de se produzir outras provas além daquelas já produzidas, demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, providência vedada em recurso especial tendo em vista o óbice da Súmula nº 7/STJ.
5. As normas aplicáveis aos fundos de investimento dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio, mas nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico ditado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
6. Embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas, e, não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações.
7. O patrimônio gerido pelo Fundo de Investimento em Participações (FIP) pertence, em condomínio, a todos os investidores (cotistas), a impedir a responsabilização do fundo por dívida de um único cotista, de modo que, em tese, não poderia a constrição judicial recair sobre todo o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora da sua cota-parte.
8. A impossibilidade de responsabilização do fundo por dívidas de um único cotista, de obrigatória observância em circunstâncias normais, deve ceder diante da comprovação inequívoca de que a própria constituição do fundo de investimento se deu de forma fraudulenta, como forma de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.
9. Comprovado o abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros), e/ou confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para atingir o patrimônio de outras pertencentes ao mesmo grupo econômico.
10. Hipótese em que a desconsideração inversa da personalidade jurídica foi determinada com base em desvio de finalidade e confusão patrimonial, não constituindo o recurso especial a via processual adequada para modificar as conclusões do acórdão recorrido, obtidas a partir da análise da documentação juntada aos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ.
11. No momento da constrição determinada pelo juízo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurídica do devedor, o fundo de investimento que teve o seu patrimônio constrito possuía apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico, a revelar que o ato de constrição judicial não atingiu o
patrimônio de terceiros.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília, 05 de abril de 2022. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator

 

Fonte: STJ – Superior Tribunal de Justiça

 

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