É possível pleitear danos morais coletivos em casos de homofobia?

Homofobia Sindico Legal

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Esquecido na gaveta dos anos 2000, o apresentador Gilberto Barros, o Leão, decidiu ressurgir na mídia com falas homofóbicas durante uma transmissão, em 2020, em seu canal do Youtube. Na ocasião, o apresentador se manifestou da seguinte maneira:

“Não tenho nada contra, mas eu também vomito. Eu sou gente, ainda mais vindo do interior. Hoje em dia, se quiser fazer na minha frente, faz. Apanha os dois, mas faz”

Por essa razão, o apresentador foi multado¹ pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de São Paulo no irrisório valor de 32 mil reais. Essa condenação foi baseada na lei estadual 10.948/2001², que prevê penalidades aplicáveis à prática de discriminação em razão de orientação sexual.

Apesar do valor ser consideravelmente baixo, tanto pelo teor das declarações, quanto pelo possível patrimônio do ofensor, questiona-se: seria possível o ingresso de ação pleiteando danos morais?

Felizmente a resposta é sim.

Em primeiro lugar, a homofobia, assim como outras práticas discriminatórias, pode dar ensejo à condenação por dano moral. Conforme a ADO 26, a homofobia e a transfobia são equiparadas ao racismo, sendo passíveis de responsabilização penal e cível.

HOMOFOBIA. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – Diante da histeria homofóbica e a hipocrisia que teima em subsistir em nossa sociedade, o Judiciário tem se posicionado de forma vanguardista, ao assegurar igualdade substantiva aos que adotam orientação sexual diversa do padrão imposto sob o olhar da constituição biológica (do sexo). In casu, restou provada a conduta de cunho homofóbico dirigida ao autor por parte de preposta da empresa, e esta não adotou qualquer medida a garantir a integridade moral do trabalhador-ofendido. O caráter da agressão praticada no ambiente de trabalho e a omissão do empregador ensejam o dever de indenizar o dano moral ocasionado ao autor, em vista do notório atentado à dignidade do deste, que se viu humilhado com comentários depreciativos e atingido em sua intimidade e vida privada (art.  , , CF), resultando malferidos os princípios da igualdade (art. 5º, caput) e da dignidade humana (art.  , III , CF). Recurso patronal improvido, no particular. (Processo: RO – 0001302-78.2013.5.06.0014, Redator: José Luciano Alexo da Silva, Data de julgamento: 20/09/2017, Quarta Turma, Data de publicação: 02/10/2017) (TRT-6 – RO: 000 13027820135060014, Data de Julgamento: 20/09/2017, Quarta Turma, Data de Publicação: 02/10/2017)

Quanto à ação coletiva, essa também é cabível, desde que proposta por associação que possua finalidade específica e relacionada ao objeto da demanda.

O artigo V, alínea b, da lei 7.347/85, dispõe:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência) (…)

V – a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).(…)

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004, de 2014)

A legitimidade das associações e entidades civis propositura de ações coletivas também foi reconhecida, por unanimidade, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na decisão, a ministra Nancy Andrighi, dispôs:

(…) A doutrina corrobora essa orientação, destacando que a legitimidade ativa e a autorização para a defesa do interesse individual homogêneo são estabelecidas na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação. (…) – (STJ – REsp: 1800726 MG 2018/0054195-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, 04/09/2019)

Indico como exemplo a Ação Civil Pública Cível promovida pela Aliança Nacional LGBT em face da União Federal e do atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro.

A sentença foi parcialmente procedente e encontra-se em fase de apelação. Destaco os seguintes pontos da sentença:

Evidencia-se, portanto, que as falas proferidas pelo Senhor Ministro da Educação ultrapassam o limite da opinião ocasional, conjugando-se em verdadeira investida contra os cidadãos com identidade de gênero homossexual, a quem destina a pecha de anormais, inclusive do ponto de vista biológico. Assumem, como bem mencionado pelo Ministério Público Federal, contornos de discriminação e preconceito, visando a marginalização de parcela da população em prol de supostos “princípios e valores” assumidos. Posturas dessa natureza tendem a desestabilizar a paz social e correm à contramão da evolução política e jurídica referente às conquistas sociais dos últimos anos, implicando em violação direta às garantias constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Importa ressaltar que o processo de evolução da proteção aos direitos humanos exsurge, justamente, da necessidade de se salvaguardar a identidade e a autonomia dos cidadãos em relação ao próprio Estado, assegurando, de maneira integrada, o exercício dos demais direitos sociais e políticos. (…) Em verdade, a situação se reveste de maior gravidade justamente pelo fato de se tratar de ato praticado por Ministro de Estado, a quem compete, institucionalmente, o estabelecimento de políticas públicas para a erradicação das diversas formas de discriminação ainda presentes na sociedade. (…) Dessa forma, em face da gravidade do conteúdo proferido pelo Ministro da Educação, na entrevista concedida na data de 20.09.2020, resta configurado o dano moral coletivo, como aduzido pelas associações autoras, bem como o dever da União Federal em repará-lo. (…) Diante do exposto: 1] JULGO EXTINTA A AÇÃO, sem resolução do mérito, em face do corréu MILTON RIBEIRO, em razão do reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, nos termos do art. 485 5 5 5 5 5, inciso VI do Código de Processo Civil l l l; e 2] JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, condenando a União Federal ao pagamento de indenização como forma de reparação pelos danos morais coletivos, que ora arbitro em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), nos termos do art. 487, inciso I, do CPC. (…) – TRF3, Processo nº 5020239-50.2020.4.03.6100

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E, por fim, qual o peso das ofensas terem sido proferidas online?

Bom, é certo que toda mídia online tem maior potencial de propagação.

As declarações do apresentador, por exemplo, foram veiculadas em vídeos na plataforma Youtube, podendo, portanto, ser facilmente compartilhadas em diversos tipos de mídia, o que acaba, inevitavelmente, aumentando seu poder corrosivo e disseminando uma cultura discriminatória e intolerante.

Além disso, o Marco Civil da Internet, apesar de ter como fundamento a liberdade de expressão, também possui, como princípios sólidos, os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais, a pluralidade e a diversidade (art. IIIII, Lei 12.965/14).

A mesma lei prevê, inclusive, a responsabilização civil do provedor que mantiver, após ordem judicial, a veiculação do conteúdo considerado infrigente (art. 19, Lei 12.965/14).

Dessa feita, o uso da internet para a disseminação de ofensas e práticas discriminatórias poderá não apenas dar ensejo, mas majorar, consideravelmente, eventual dano moral.


¹ https://istoe.com.br/gilberto-barrosemultado-emr32-mil-por-comentario-homofobico/

² https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2001/lei-10948-05.11.2001.html

 

Fonte: Ana Raisa da Gama – Jusbrasil

 

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