É legal o corte no fornecimento de água e gás dos condôminos inadimplentes?

Uma das maiores batalhas que todo síndico trava em sua gestão é contra os condôminos inadimplentes. Todo condomínio, sem exceção, possui os condôminos que deixam de pagar em dia a sua cota condominial.

É aí que surge a dúvida, quais são as obrigações do condomínio? E as do síndico? Pode o condomínio cortar o fornecimento de água e gás para obrigar os inadimplentes à cumprirem com suas obrigações?

Primeiramente, devemos analisar quais são os deveres inerentes ao condômino.

O art. 1.336 do Código Civil afirma que são deveres dos condôminos: contribuir para as despesas do condomínio na proporção de suas frações ideais.

Portanto, a cota condominial é devida por todos, a partir da assembleia de instalação. A exigibilidade do pagamento da cota condominial está diretamente relacionada à aprovação em assembleia, e da previsão orçamentária aos rateios extraordinários não previstos no orçamento anual.

De acordo com o que nos ensina Orandyr Teixeira Luz, em sua obra “O Condomínio e Você”:

[adrotate group=”1″]

 

A cobrança das despesas de condomínio, de fato, depende do atendimento aos seguintes requisitos:

  • Orçamento previamente aprovado em assembleia;
  • Regular convocação de todos os comunheiros;
  • Aprovação pelo quórum previsto em convenção;
  • Comunicação a todos s condôminos do que fora deliberado em assembleia no prazo estabelecido na convenção.

É dever de todos os condôminos contribuir mensalmente com as despesas do condomínio. A receita do condomínio advém desta contribuição mensal, sem ela, o condomínio fica sem caixa, sem dinheiro e pode até parar.

Todavia, mesmo sendo de extrema importância contribuir com a cota condominial, muitas vezes alguns condôminos deixam de realizar o pagamento daquelas, fazendo com que os condôminos adimplentes paguem pelos inadimplentes.

Nesse caso, o que fazer?

A resposta, mais uma vez, está no Código Civil, mais precisamente em seu art. 1.348, VII, o qual determina que compete ao síndico cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar multas devidas.

Isso mesmo, a responsabilidade é do síndico. Por isso sempre frisamos, um síndico atuante é sinal de condomínio em bom estado

O síndico tem a obrigação de correr atrás do recebimento dessas contribuições em atraso. Ele deve ser proativo. Cobrar dos inadimplentes, podendo, até mesmo, parcelar o recebimento das dívidas e entrar com uma ação de cobrança representado o condomínio, haja vista que, como descrito no artigo acima referido, ele representa o condomínio de maneira ativa e passiva, praticando em juízo ou fora dele, à defesa dos seus interesses.

Com todo esse “poder” em suas mãos, o síndico, muitas vezes, toma uma atitude, digamos, drástica, para obrigar os inadimplentes à realizarem o pagamento das suas dívidas, a famigerada e mais do que discutida, corte no fornecimento de água ou gás.

A possibilidade, ou não, do síndico tomar essa atitude ainda não é pacificada. Alguns tribunais e doutrinadores entendem que não é admissível, outros entendem que sim. Neste artigo abordaremos as duas correntes.

O jurista, Venosa admite a possibilidade de impor a interrupção no fornecimento de água, energia elétrica e gás em razão da falta de pagamento.

Mais uma vez, citando Orandyr Teixeira Luz, em sua obra supracitada:

Entendo que sim, sobretudo se a convenção expressamente assim dispuser. A deliberação em assembleia, se omisso o diploma convencional, poderá ser acatada se houver convocação específica e tiver obedecido ao quórum de 2/3 (dois terços) dos condôminos.

Já em seu livro “Gestão Condominial Eficiente”, o jurista Fábio Barletta Gomes assevera que:

Não. No que se refere à inadimplência, vigora o princípio da pecuniariedade das penalidades, o que significa dizer que a punição ao inadimplente deve ter natureza estritamente patrimonial. A única exceção a essa regra é trazida pelo próprio regramento civil, no inciso III do artigo 1.335, ao vedar o voto do condômino inadimplente nas assembleias condominiais.

Muitos de nossos tribunais vêm entendendo acerca da impossibilidade do condomínio realizar o corte do fornecimento de água e gás, porém, por muitas vezes, não condenam o condomínio ao pagamento dos danos morais, haja vista que tal condenação iria onerar ainda mais o condomínio que já sofre com os condôminos inadimplentes:

“APELAÇÃO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA EM RAZÃO DE INADIMPLÊNCIA. CONDUTA IRREGULAR DO CONDOMÍNIO, MAS COM BASE EM PROVIDÊNCIA APROVADA EM ASSEMBLEIA. CONDENAÇÃO DO CONDOMÍNIO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NESTA PARTE PROVIDO. Não é possível a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral, pois a medida foi adotada, em princípio, com apoio em suas normas internas. Além disso, o autor contribuiu de maneira importante para a ocorrência dos fatos, pois estava inadimplente vários meses. Também não é razoável onerar ainda mais os demais condôminos, que cumprem rigorosamente com suas obrigações, ao pagamento de indenização ao condômino inadimplente, ainda que injustamente impedido de usufruir de serviço essencial. É certo que o condomínio agiu de forma irregular ao suspender o fornecimento de água. Todavia, inexiste nos autos qualquer elemento que comprove que autor tenha tentado realizar algum acordo extrajudicial para pagamento, pelo menos, do débito pelo fornecimento de água. O serviço de abastecimento de água é essencial, mas não é gratuito.” (TJ-SP 10038347220168260506 SP 1003834-72.2016.8.26.0506, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 21/06/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2018).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO FORNECIMENTO ÁGUA. IMPOSSIBILIDADE. A probabilidade do direito alegado associada ao perigo de dano ou ao risco ao resultado útil do processo são requisitos que devem ser preenchidos para o deferimento da tutela provisória de urgência. Presentes os requisitos previstos no art. 300 do CPC/2015, resulta viável antecipar os efeitos da tutela de urgência pretendida. O condomínio possui meios legais de realizar a cobrança das quotas condominiais inadimplidas, não podendo o condômino inadimplente ser penalizado com o corte do fornecimento de água. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70078727914, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 06/12/2018)” (TJ-RS – AI: 70078727914 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Data de Julgamento: 06/12/2018, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/12/2018).

Seguindo o entendimento maciço dos tribunais brasileiros, entendemos que essa atitude é ilegal por várias razões.

A primeira é a que fere o direito fundamental do cidadão de utilizar de água, um bem de todos.

É certo, também, que de acordo com a Lei 8.987/95, que dispõem sobre a concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, estabelece que é de competência das concessionárias realizar o corte dos serviços.

Portanto, não cabe ao condomínio realizar o corte no fornecimento.

Este também é o entendimento dos nossos tribunais:

“Condomínio. Assembleia que delibera corte no fornecimento de água aos condôminos em situação de mora na obrigação de pagar as despesas de condomínio. Interrupção determinada em relação à unidade ocupada pelo autor. Conduta abusiva e arbitrária. Possibilidade de corte por inadimplemento exclusiva das empresas concessionária de fornecimento de água. Ofensa a direito de personalidade reconhecido. Ação julgada procedente para tornar definitiva a antecipação de tutela e condenar os réus ao pagamento de dano moral correspondente a 40 salários mínimos, rejeitando a reconvenção. Corte que não ostenta amparo legal. Conduta que gera obrigação de indenizar. Montante fixado com exacerbação. Redução. Acolhimento dos pedidos formulados na inicial que afasta pretensão de danos materiais e morais reclamada pelo condomínio em reconvenção. Recurso provido em parte. O corte de água não pode ser feito através da administração do condomínio, pois a Lei 8.987/95 é objetiva acerca da legitimidade para tal ato. Diante da natureza do bem jurídico, de essencialidade absoluta, entende-se que, a despeito da aprovação em assembleia, esta medida é privativa do Poder Público (através das concessionárias), pois há determinadas condições, inclusive há entendimento que prevalece no C. STJ acerca da possibilidade de corte apenas por dívida atual, sendo que a Lei Civil impõe sanção de ordem pecuniária ao inadimplente (art. 1336. CC), não sendo possível restringir direito fundamental. Havendo outros meios para cobrança, a medida drástica e ilegal de corte de água, serviço de natureza essencial, causa dano extrapatrimonial, sendo certo que os episódios vivenciados pelo autor ultrapassam o mero aborrecimento, devendo ser ressarcido pelo dano moral sofrido. A quantificação dos danos morais observa o princípio da lógica do razoável, ou seja, deve a indenização ser proporcional ao dano e compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e a duração dos transtornos experimentados pela vítima, a capacidade econômica do causador dos danos e as condições sociais do ofendido. Bem por isso, considerando esses parâmetros, o montante arbitrado (40 salários mínimos) deve ser reduzido para R$5.000,00.” (TJ-SP – APL: 00055402220128260127 SP 0005540-22.2012.8.26.0127, Relator: Kioitsi Chicuta, Data de Julgamento: 16/02/2017, 25ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 17/02/2017).

“Apelação. Ação de obrigação de fazer. Restabelecimento do fornecimento de água à unidade autônoma. 1. A legitimidade “ad causam” diz respeito à pertinência subjetiva da ação e consiste na titularidade, tanto ativa quanto passiva, para a parte figurar no processo. 2. Ainda que se considere que a administradora ostente a condição de responsável por emitir boletos de cobranças e gerir recursos do Condomínio, isso não lhe confere legitimidade para figurar no polo passivo. 3. Corte efetivado como medida para compelir as requeridas a pagarem prestações condominiais não adimplidas. Previsão em assembleia. Ilegalidade. Corte no fornecimento de água em razão de inadimplemento que só pode ser levado a efeito pelas concessionárias de serviço público responsáveis pelo fornecimento, assim como prescrito no artigo art. 6º, § 3º, inciso II da lei nº 8.987/95. 4. Aplicáveis as sanções previstas no artigo 1336, § 1º, e artigo 1337, ambos do Código Civil. Havendo previsão expressa acerca das sanções aplicáveis ao caso concreto, ilegal que o condomínio tome solução diversa no lugar de buscar solução jurisdicional e coercitiva do Estado, pois inadmissível que exerça autotutela em face do condômino inadimplente. Precedentes. 5. Manutenção do montante indenizatório em R$5.000,00 (cinco mil reais). Quantia fixada deve compensar o dano sofrido e também impor sanção ao infrator, a fim de evitar o cometimento de novos atos ilícitos, com observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a impedir enriquecimento ilícito do lesado. 6. Não é exigível a menção expressa dos dispositivos legais para fins de prequestionamento, bastando a análise da matéria pelo Tribunal de origem. Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo não provido.” (TJ-SP 10016491220168260005 SP 1001649-12.2016.8.26.0005, Relator: Kenarik Boujikian, Data de Julgamento: 06/06/2018, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/06/2018).

Entendemos que o condomínio possui maneiras legais e menos gravosas ao devedor para cobrar seu débito, como o protesto por exemplo. Os encargos moratórios já estão previstos no Código Civil e na Convenção Condominial (assim espero). Várias são as ações judiciais cabíveis para obrigar o condômino a adimplir com sua obrigação. Até mesmo a penhora do imóvel é possível, haja vista o caráter propter rem do débito.

Desta forma, seguindo a jurisprudência atual dos nossos tribunais, entendemos que realizar o corte de água e gás dos condôminos é uma ação ilegal.

Essa atitude fere direitos fundamentais do cidadão, bem como traz ao devedor o caráter vexatório, o que é proibido em nosso ordenamento jurídico.

Portanto, antes de realizar qualquer tipo de cobrança em seu condomínio, sempre aconselhamos ao síndico que consulte um advogado ou até mesmo o conselho jurídico do condomínio, se ele possuir um.

Lembre-se que todas as decisões tomadas geram uma consequência. Muitas vezes a decisão de suprimir o fornecimento desses serviços essenciais ao inadimplente pode gerar, até mesmo, uma ação contra o condomínio, somando mais uma dor de cabeça à administração que já sofre com a crise dos inadimplentes.

MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).

 

 


Leia mais artigos aqui!