Definir rateio da quota condominial exige conhecimento e bom senso

Definir rateio da quota condominial exige conhecimento e bom senso

Muitos defendem a aplicação da fração ideal como critério de divisão do rateio de despesas do condomínio de unidades diferentes, ou seja, constituído de apartamentos tipo e de cobertura ou nos prédios comerciais compostos por salas e lojas no térreo, apesar de não saberem a origem de sua criação, como ela é calculada e para que serve.

Esse problema é mais grave nos edifícios comerciais, onde, às vezes, as lojas pagam mais que as salas por serviços que somente estas últimas utilizam.

 

 

Há 26 anos tenho escrito sobre a matéria e alertado que diante das argumentações superficiais e confusas daqueles que defendem o rateio pela fração ideal, fica evidente que essas pessoas desconhecem o Livro “Condomínio e Incorporações”, de autoria do jurista Caio Mário da Silva Pereira, que criou em 1964 a Lei nº 4.591, que regulamenta as incorporações e os condomínios, no qual expõe os desafios em definir o que seria “fração ideal”.

Hoje, por conhecermos melhor a matéria, chega a ser cômico o relato do Civilista Caio Mário na pág.99, onde cita que os juristas europeus, há séculos, defendiam que a fração ideal seria maior para as unidades que tivessem mais janelas, que fossem mais altas (a maioria dos prédios não passava de 4 andares) e, que as unidades menos ensolaradas, sem reformas ou de fundos teriam fração ideal menor.

Assim, os juristas da época criaram uma regra que ao final resultava numa grande insegurança, pois se um apartamento fosse reformado ou modernizado seria valorizado e sua fração ideal aumentava, mas se fosse construído um prédio ao lado que tampasse o sol e o deixasse escuro sua fração seria reduzida.

 

 

LÓGICA MATEMÁTICA 

Há 56 anos, de forma brilhante, Caio Mário, criou a regra da fração no art. 12 da lei nº 4.591/64, que até hoje consiste na mais avançada lei do mundo na área condominial, a qual possibilitou a divisão das despesas da construção nas incorporações, onde, logicamente, a unidade maior paga mais que a menor pela sua construção.

A razão da criação da fração ideal tem como finalidade básica propiciar ao adquirente do apartamento, sala ou loja que ainda não existe, saber exatamente quantum  pagará pelo custo de sua unidade, conforme o seu tamanho. Trata-se de aquisição de propriedade.

 

 

Essa regra não tem nenhuma ligação quando se trata de rateio de despesas da quota de condomínio, previsto no artigo. 24, que diz respeito à manutenção e conservação das áreas comuns (portaria, áreas de lazer, garagem, corredores, telhado e obviamente dos serviços de faxineiro, porteiro e zelador), pois estas são utilizadas igualmente por todas as unidades, independente de seu tamanho.

No site www.jornalpampulha.com,br, na minha coluna do Caderno Habitar (hoje Jornal O Tempo), há dez artigos sobre essa questão, publicados em 09/08 e 1º/112008; 14/03, 21/03, 04/07 e 22/8/2009; 17/04/2010; 23/7, 21/5 e 10/12/11, bem como no Boletim do Direito Imobiliário número 15, de agosto de 2011 e em 1995 e 2000 no Jornal Hoje em Dia.

 

 

REFLETIR PARA ENTENDER 

Mudar conceitos não é fácil, pois exige mente aberta, vontade de aprender (o que dá muito trabalho) e disposição em trocar ideias sem preconceitos.

A cobertura e o apartamento com área privativa custam mais que o apartamento tipo e por esse motivo pagam valor mais expressivo de ITBI no ato da transferência da propriedade, bem como a cada 12 meses o IPTU em valor maior que os vizinhos.

A mesma regra ocorre com lojas no térreo onde a torre é composta por salas, havendo dezenas de acórdãos que isentam as lojas de pagar despesas (portaria, elevadores, limpeza, etc) que são geradas e usufruídas apenas pelas salas.

Da mesma forma, um automóvel Gol custa metade do valor de um Chevrolet Cruze, sendo pago 4% do preço do carro referente ao IPVA, ou seja, o imposto é maior para um carro, sendo ambos da mesma categoria como os apartamentos que são unifamiliares.

Entretanto, ao abastecer, cada proprietário paga o mesmo valor pela gasolina e pelo óleo. Ao trafegar na estrada (semelhante à portaria, corredores do prédio), pagam o mesmo valor pelo pedágio, bem como a hora de estacionamento, pois são automóveis, apesar de padrões diferentes têm a mesma destinação, a mesma capacidade de carga, da mesma forma que os apartamentos, que apesar de diferentes têm a mesma finalidade residencial.

 

 

Absurda é a alegação do defensor da fração ideal no rateio de despesas de manutenção, que diz que o apartamento de cobertura/área privativa comporta 10 pessoas, como se esta unidade se prestasse a uma pensão, pois a própria convenção prevê seu uso somente unifamiliar.

Pesquisas do setor imobiliário comprovam ser comum o apartamento de cobertura ter menos moradores (média de 3) do que os apartamentos tipo que são ocupados por 4 pessoas em média, pois são ocupados por casais mais jovens com filhos menores.

O defensor da fração ideal utiliza o argumento de que a cobertura deve pagar mais pelo uso do elevador, ignorando a lei municipal que obriga a instalação deste equipamento que valoriza todo o prédio, caso neste ocorra um desnível de mais de 11 metros de altura entre a unidade e a portaria, como por exemplo, em Belo Horizonte-MG.

 

 

Logicamente, a maioria dos prédios não possui apartamento de cobertura, mas ninguém comete a insensatez de aumentar o valor da quota de condomínio conforme o andar do apartamento, o que prova que o rateio igualitário é mais sensato.

A cobrança a maior de qualquer quota somente se justifica sobre a despesa e somente se esta efetivamente for gerada em excesso por determinada unidade.

As perícias elaboradas pelos engenheiros nomeados pelo juiz nos processos são conclusivas ao afirmar que não há como apurar que uma cobertura que tenha fração 80% maior que o apartamento tipo gaste mais que a unidade tipo em mais de 80% das despesas que compõem o rateio, razão que torna evidente a impropriedade do uso da fração ideal.

 

 

O autor Caio Mário da Silva Pereira, na obra “Condomínio e Incorporações”  tece comentários que evidenciam a complexidade do rateio e que exige um estudo profundo para entender que a fração ideal pode gerar divisões injustas no caso do rateio de despesas de conservação e manutenção, razão que motivou o legislador a criar o artigo 24, que deixa evidente que ao artigo 12 da Lei nº 4.591/64 destina-se ao rateio do custo da obra, conforme texto a seguir transcrito:

A situação relativamente ao logradouro público influi sobremaneira, dizendo-se “apartamento da frente” o que tem serventia sobre rua ou praça e “apartamento dos fundos” o que a tem sobre pátio ou área interna e, naturalmente, os primeiros valem mais do que os segundos.

O andar em que se situa é outro elemento importante na composição do preço, costumando-se emprestar maior valor aos andares mais altos do que aos mais próximos do chão, pelo incômodo maior que estes sofrem.

Mas, nos prédios não servidos de elevadores a mesma regra se não aplica, porque os mais altos obrigam a galgar as escadas.

Outros fatores secundários são igualmente levados em conta: dar para outro terraço comum; existir ou estar projetada obra pública que melhore a situação do apartamento; não haver certas janelas, portas, vãos ou varandas; a melhor ou pior serventia de luz; a qualidade dos materiais  empregados etc.

Fréderic Aéby manda levar em consideração a área, a disposição das peças em relação ao conjunto, a orientação, a altura etc., para a fixação do valor originário

Poirier apresenta um esquema de divisão de valores em que o rés-do-chão e o andar imediatamente superior representam cada um 25% do valor do edifício; os dois andares seguintes 20% cada, a divisão é, usualmente, mais complicada.

Frédéric Denis esquematiza os direitos sobre a propriedade indivisa, assim como a proporção na partilha dos encargos comuns, atribuindo ao rés-do-chão, zero; primeiro andar, 100 por mil; segundo andar, 120 mil; terceiro 145 por mil; quarto 175 por mil; quinto 210 por mil; e sexto 250 por mil.

Entre nós, tanto o critério do escritor belga como o do francês são inaceitáveis (PEREIRA, 1999: 98-99).

Até os legisladores do Código Civil de 2002 cometeram dois erros graves ao definirem no parágrafo 3º do art. 1.331 que “a fração ideal no solo e nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária” e que o rateio somente poderia ser pela fração ideal no inciso I, do art. 1.336. Diante dos equívocos e da insensatez, ao perceberem que esses dispositivos ferem a lógica da fração ideal que se baseia na área construída, conforme ABNT, em 2004, a Lei nº 10.931, deu nova redação aos referidos dispositivos. Assim, eliminou o vínculo da fração ideal com o valor do imóvel e inseriu no inciso I, que trouxe a frase “salvo disposição ao contrário” para confirmar que o rateio pela fração ideal deve ser evitado em determinados casos, para não afrontar os artigos 157, 884 e 2.035 do CC.

 

SEGUNDAS INTENÇÕES

Como advogado especializado em direito imobiliário, ao ser contratado para participar de assembleias, surpreendo-me ao presenciar proprietários, que se transformam em “legisladores”, pois criam “leis” para justificar seus propósitos, às vezes, inconfessáveis.

E, o pior, há pessoas presentes, que imbuídas pela boa-fé acabam acreditando no “saque”, outras fingem que está certo o falso argumento, pois lhe convém manter a situação injusta e irracional, que penaliza o proprietário da unidade que é maior.

Há, ainda aquelas pessoas que nada dizem para não melindrar e evitar conflitos com o vizinho “inventor de leis” que se mostra o “senhor de tudo e de todos” e que, geralmente, é agressivo e não gosta de quem reside numa unidade melhor do que a dele.

 

 

Diante desse cenário é compreensível a enorme dificuldade dos proprietários de cobertura, de áreas privativas ou de lojas, que são minoria, fracassarem na tentativa de sensibilizar a enorme maioria representada pelos apartamentos tipo ou salas em alterar a cláusula da convenção que determina o rateio pela fração ideal, que resulta em quotas com valores abusivos, que geram expressiva desvalorização das unidades maiores.

 

FALTA DE SINCERIDADE PARA MODIFICAÇÃO DO RATEIO

O mais intrigante é que o condômino prejudicado, ao conversar e explicar de maneira particular sobre a ilógica do rateio pela fração ideal, seu vizinho de imediato concorda que essa cobrança é injusta, que não tem sentido a cobertura pagar 50% ou 100% a mais que o apartamento dele.

Entretanto, no momento da realização da assembleia o dono da unidade maior fica surpreso com os vizinhos, que concordaram com o rateio igualitário nas conversas em particular, mas que nada falam a seu favor quando deveriam votar conforme a sua consciência, dentro dos princípios éticos e de honestidade.

Diante dos princípios gerais consagrados pela Constituição Federativa e pelo Código Civil de proibir a contratação de forma lesiva, com base no parágrafo único do art. 2.035 do CC que determina “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”, não há como essa cláusula de um contrato consagrar uma lesão, configurada pelo enriquecimento sem causa (art. 884 CC) facilmente provado por uma perícia realizada por um engenheiro.

 

 

A convenção consiste num contrato sujeito ao crivo do Poder Judiciário, não podendo prevalecer as cláusulas que venham a ferir a lógica matemática, a probidade e boa-fé consagradas nos artigos 421 e 422 do CC, bem como o art. 5º da Lei do Introdução ao Código Civil, sendo inaceitável pagar em excesso pelo que não gasta e nem utiliza a mais que os demais vizinhos.

É evidente que todos os serviços e áreas do condomínio são disponibilizadas na mesma proporção para todos os moradores no prédio residencial, pois a própria lei (art. 19 da Lei 4.591 e art. 1.335 CC) proíbe que qualquer condômino as utilize a mais do que os demais coproprietários.

Felizmente, os magistrados com base numa reflexão mais profunda sobre a matéria, bem como numa perícia que confirma que todas as unidades gastam igualmente ou que é impossível afirmar que as unidades maiores utilizem ou consumam mais que as demais unidades, têm anulado o rateio pela fração ideal que acarreta enriquecimento sem causa.

Somente os ingênuos ou que desconhecem o funcionamento dos condomínios defendem que não cabe ao Poder Judiciário intervir sob a alegação de que somente a assembleia deveria alterar a forma de rateio.

A realidade é que em 90% dos casos os proprietários das unidades maiores (cobertura/loja) são sabotados pela administração que rotineiramente nega inserir o tema no edital ou quando a discussão vai à assembleia, a maioria que se beneficia ao pagar menos, consagra a imposição fração ideal para penalizar quem tem unidade maior, tendo o Judiciário o dever de eliminar qualquer cláusula abusiva, pois apesar da fração ideal ser prevista em lei, há casos em que sua aplicação afronta outros dispositivos legais ao ferir a lógica, a boa fé e a matemática que esclarece ser honesto pagar justamente o que se tem à disposição e o que se usa, nem mais nem menos.

Basta ver as reiteradas conclusões dos peritos e por isso os condôminos mal intencionadas lutam nos processos judiciais para eu a perícia seja indeferida para evitar a elucidação da cobrança irracional.

O fato das unidades menores consistirem num grupo mais numeroso que se aproveita do elevado quorum de 2/3 para inviabilizar a revisão da convenção, não pode consagrar uma situação desequilibrada e injusta, já que a este contrato particular consiste numa norma subsidiária, inferior, portanto ao Código Civil e aos princípios gerais do Direito contidos em quatro artigos (157, 884, 2.035 – art. 5º da Lei do Introdução ao CC) que não foram revogados pelo inciso I, do art. 1.336 CC.

 

 

Kênio de Souza Pereira: Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais e do Secovi-MG, Membro do Ibradim-MG

[email protected] – tel. (31) 2516-7008

 

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