Empregada que mora com o empregador pode utilizar as áreas de lazer do condomínio?

Depois de discorrer sobre tema complexo e delicado: “Empregada que mora com o empregador pode utilizar as áreas de lazer do condomínio?” (obs.: artigo veiculado em 19/abril/2018 no site “sindicolegal.com.br”), peço vênia aos srs. leitores para tratar de outro assunto que vem tirando o sono dos condôminos: “Pode o Regimento Interno do condomínio proibir o aliciamento de ‘empregadas domésticas’ entre os condôminos?

O aliciamento de “empregada doméstica” entre condôminos tem gerado sérios problemas para os srs. síndicos.

A fim de evitar conflito entre os “vizinhos”, têm os condomínios inserido no Regimento Interno cláusula que impede o aliciamento de empregadas entre os condôminos.

Essa vedação é legal?

Hipótese que cai como luva à espécie foi proferida na oportunidade do julgamento da apelação nº 0014947-70.2010.8.26.0564, da pena do Desembargador Milton Carvalho: “A autora, empregada doméstica, narra que foi dispensada do seu posto de trabalho pela condômina proprietária da unidade E-115, por força de norma do regimento interno do condomínio réu, que veda a contratação de empregados de outros condôminos: 3.2.6. – Os empregados de qualquer condômino, somente poderão ser contratados por outro, com prévia autorização e comum acordo entre os dois condôminos. Caso contrário, a contratatação só poderá ocorrer após 1 (um) ano de desligamento do vínculo empregatício anterior, ficando o infrator sujeito a multa a ser aplicada pelo síndico de acordo com o artigo 28 (vinte e oito), item B da Convenção de Condomínio (fl. 69). A finalidade da referida norma é evitar a disputa entre condôminos, acerca da contratação de empregados, que seguramente geraria conflitos, os quais são notórios na relação entre os coproprietários. Ao contrário do que sustenta a autora, a disposição normativa, que deve ser observada pelos condôminos, não ofente o direito constitucional ao trabalho e a correlata busca por melhores condições de vida. As regras de convívio, contidas na convenção ou no regimento interno, somente são aplicáveis dentro da relação jurídica existente entre coproprietários e são necessárias para assegurar a convivência harmoniosa. (…) Assim, à luz da melhor doutrina, a convenção e o regimento interno podem estabelecer regras especiais visando à redução das disputas internas que prejudicam o dia a dia no condomínio, desde que elas não violem a lei. No caso, ao contrário do que sustenta, a autora não fica compelida, por força da disposição normativa interna, a permanecer desempregada por um ano inteiro. Ela tem ampla liberdade para buscar a melhoria das suas condições de trabalho, inclusive dentro do condomínio, desde que respeitada as condições impostas (comum acordo entre os condôminos ou intervalo temporal). Não há também qualquer restrição para a continuidade da relação de trabalho ou o exercício do ofício em outro local, que não o condomínio, não havendo, aliás, prova no sentido de que tenha se empenhado muito e por muito tempo em conseguir emprego em outro local, sem êxito. Inclusive, há dispositivo legal que desestimula o aliciamento de funcionários, em hipótese correlata, tratando da prestação de serviços. O artigo 608 do Código Civil dispõe que Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos. NELSON ROSENVALD, ao analisar referida norma, assevera que O sistema jurídico não admite que uma pessoa viole uma relação contratual de prestação de serviço que está em andamento, impedindo-a de alcançar o seu termo normal, pelo adimplemento. Ofende o ordenamento a conduta daquele que, conhecendo a existência de uma prestação de serviço em curso, seduz o prestador com uma nova proposta, a ponto de acarretar a dissolução da relação contratual primitiva. (…) Cuida-se da tutela à função social externa do contrato. As relações contratuais produzem obrigações restritas ás partes – princípio da relatividade contratual -, mas geram oponibilidade erga omnes, pois a sociedade deve se comportar de modo a respeitar as relações jurídicas em curso, permitindo que alcancem o seu desiderato pela via adequada do adimplemento. (in Cezar Peluso (coor.), Código Civil comentado, 6ª ed. Barueri, Manole, 2012, p. 638/639). Por tais motivos, não se vislumbra violação ao disposto no artigo 7º, caput, da Constituição Federal. Como bem destacou o Magistrado a quo, inexiste óbice legal a que os condôminos, visando coibir o aliciamento de mão de obra dentro do condomínio, deliberem no sentido em questão. À indigitada norma subjaz o legítimo intuito coletivo de estabelecer parâmetros éticos de convívio mais rígidos do que aqueles vigentes nos mercados de trabalho em geral. Tal como estabelecido, o regramento em nada ofende a liberdade de contratação ou de trabalho, na medida em que não impede o empregado, em absoluto, de mudar de empregador dentro do condomínio. Exige-se, tão somente, a observância de determinados requisitos, instituídos com razoabilidade para consecução daquele objetivo de caráter ético, de todo compatível, por seu turno, com o microcosmo condominial. Assim sendo, uma vez instituída, a norma obriga a todos os condôminos, submetendo os infratores às penalidades cabíveis (fls. 200/201). Não se trata, assim, de mero orgulho ferido (fls. 214) por parte do antigo empregador, proprietário da unidade D-188, mas de prerrogativa legitimamente assegurada a ele. Nesse passo, não aproveita à autora questionar quais os motivos que o levaram a exercer o direito que lhe é assegurado. A condômina que contratou a autora em violação ao preceito, essa sim pode responder, em tese, pelos prejuízos ocasionados, porque presumido (presunção relativa) seu conhecimento acerca da regra contida no regimento interno. O condomínio, todavia, não incorreu em ilegalidade ao dispor de forma restritiva, como já afirmado. E, assim sendo, não se vislumbrando ato ilícito que pudesse ensejar o dever de indenizar, a ação era mesmo de ser julgada improcedente” (TJSP – Apelação nº 0014947-70.2010.8.26.0564 – 4ª Câmara de Direito Privado – rel. Desembargador Milton Carvalho – j. 13/09/2012 – votação unânime – transitado em julgado em 15/10/2012) (grifo nosso).

A Assembleia de Condôminos é constituído por todos os condôminos da coletividade condominial (estejam ou não presentes, mas foram convocados para a Assembleia).

Nessas circunstâncias, os próprios condôminos deliberaram proibir o aliciamento de empregadas entre os condôminos.

O tema, nada obstante, é desafiador.

Para:

. Michaelis: “a.li.ci.ar (lat*alliciare, por allicere) vtd 1 Atrair, chamar a si, convidar, seduzir. 2 Peitar, subornar: Aliciou o contínuo para lhe entregar diretamente as cartas. ‘Nunca aliciei advogados para as faltas dos amigos (Mesquita de Carvalho). 3 Incitar: Aliciou os contendores para polemizarem ali mesmo” (MODERNO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, São Paulo: Melhoramentos, 1998, pág. 106);

. Houaiss: “aliciar v.(sXVIII) 1 r.d.bit. atrair a si; tornar (alguém) seu sequaz ou cúmplice; seduzir, envolver <prenderam o traficante que aliciava menores> <a. descontentes para uma causa> 2 t.d. oferecer suborno; peitar <para evitar a multa tentou a. o guarda> 3 bit. provocar incitação em; instigar <aliciou alguns operários para furarem a greve> . ETIM. allicio,is,lectum,ere ‘acariciar, atrair com afagos; persuadir’ ” (DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª ed., 2009, pág. 95); e

. Maria Helena Diniz: “ALICIAR. 1. Seduzir; incitar com promessas; enganar tendo o escopo de atingir fim ilícito. 2. Peitar, subornar, atrair, chamar a si etc.” (DICIONÁRIO JURÍDICO, volume 1, São Paulo: Saraiva, 1998, pág. 164).

Aliciamento, portanto, não dispensa carga volitiva (querer), elemento subjetivo (vontade de).

 

FÁBIO HANADA – Membro efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB/SP, Relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, coautor dos livros “A Lei do Inquilinato: sob a ótica da doutrina e da jurisprudência” e “Condomínio Edilício – Questões Relevantes: A (Difícil) Convivência Condominial”, Advogado nas áreas Imobiliária e Condominial há mais de 25 anos.

 

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