Alteração de fachada em condomínio

Alteração de Fachada

O processo de verticalização das moradias que teve início no século XIX nos Estados Unidos [1] alcançou as cidades brasileiras no final da década de 1920. [2] Entre a época das construções de “cimento armado ou matéria similar incombustível” e a era dos imóveis de alto padrão em cujas propagandas a palavra exclusividade vem acompanhada invariavelmente de metragem ampla, salas de cinema, saunas, spas e até mesmo píer privativo com acesso via teleférico e estacionamento para lanchas, passou-se quase um século.

Diferentemente dos dias de hoje, as primeiras construções pertenciam a único proprietário que usava seus imóveis “para renda”, atividade regulada pelo Decreto nº 5.491 de 25 de junho de 1928, visando às relações entre investidores, proprietários e inquilinos. [3] Este normativo teve vigência por quatorze anos, até a a promulgação do Decreto-lei nº4.5988 de 20 de agosto de 1942. [ 4] Este Decreto-lei, basicamente uma lei econômica a ter como objetivo imediato a contenção da elevação dos preços, estabeleceu o congelamento dos valores dos aluguéis, inviabilizando a continuidade do investimento imobiliário “para renda”, dando corpo ao atual sistema de condomínio.

Esclareça-se que as bases da moderna legislação condominial já estavam presentes no Decreto de 1928, a exemplo “concurso pecuniário de todos os proprietários de apartamentos* (cotas condominiais), orçamento prévio aprovadoum dos proprietários ou terceiro eleito bienalmente, ou antes, em caso de vaga, por maioria de votos dos condôminos (síndico)proibição de alteração da forma externa da fachada ou a distribuição interna dos compartimentos também teve previsão em aludido Decreto a acenar de igual forma para as multas a serem aplicadas às transgressões mediante verificação em processo judicial sumário. [5]

É de se supor que em quase um século de vivência comunitária tenha corrido para o judiciário um riacho perene e turbulento de ações demandando questões relacionadas a condomínios, especificamente, a alteração de fachada. Se em 1928 a legislação já mantinha defesa a alteração de fachada é inconcebível que em pleno século XXI ainda dissentem os condôminos sobre o assunto. Mas, infelizmente, modificar a fachada do prédio continua gerando uma série de dúvidas. Para os condomínios e para o judiciário, mesmo que ainda na década de 70, meio século depois da edição do Decreto nº 5.491/28, a matéria já tenha sido apreciada pelo STF, que em decisão de Recurso Extraordinário provido firmou o entendimento de que “Para modificar ou afrontar direito de cada condômino sobre as coisas comuns, alterar o destino de fração autônoma do prédio, não basta o voto da maioria, mas necessário é o assentimento de todos os consortes”. [6] Desta decisão até aqui já se passou mais um quarto de século e “Está tudo como dantes no quartel d’Abrantes”.[7]

Tudo permanece sempre na mesma, sem alteração, pois afinal o locatário ou proprietário de uma unidade condominial é tão somente uma pessoa a agir e reagir sob os impulsos das mesmas emoções e sentimentos sedimentados no espírito, muito antes da verticalização das moradias.

Na compreensão de Rodrigo Karpat, especialista em Direito Condominial “A alteração da fachada nos condomínios é algo discutido com base no artigo 1336 do Código Civil que diz para não alterar a forma e a cor da fachada, porém não é definido o que é a fachada propriamente dita, por esse motivo, gera-se toda essa margem para discussão.” E segue sem se distanciar do conteúdo do texto secular [8] a versar que “E’ vedado a qualquer proprietario de apartamento: a) mudar a fórma externa da fachada ou a distribuição interna dos compartimentos; b) decorar as paredes e esquadrias externas com tonalidades ou côres diversas das empregadas no conjunto do edifício.” (art. 11.)

Como visto, o princípio da questão discordante quanto a matéria reside na indefinição do que seja fachada levando muitos a opiniões distorcidas sobre o conceito, confundindo-o o mais das vezes com a vista da rua. Contudo, tal informação é totalmente equivocada no âmbito jurídico e no âmbito da arquitetura. Neste aspecto técnico, Uma fachada (também alçado ou vista) corresponde a cada uma das faces de qualquer construção arquitetônica” embora que vulgarmente “a palavra é usada em referência à vista principal de um edifício, supostamente virada para a rua. Este conceito (de algo a ser trabalhado independendo da arquitetura) foi combatido pelo movimento moderno (nomeadamente pelos arquitetos ligados ao estilo internacional). São todas as faces de uma edificação. Podem ser: externas, onde a principal é a da frente, depois as laterais e os fundos; e as secundárias, que são as internas (Ex. corredores de apartamentos). É também da percepção jurídica não se admitir por fachada apenas as alterações visíveis do térreo, “mas (…) todas as faces de um imóvel: frontal ou principal (voltada para rua), laterais e posterior, eis que se admitindo tal possibilidade os arranha-céus, os moradores dos andares superiores, quase que invisíveis da rua, não estariam sujeitos ao regramento legal. [9]

Contemporaneamente, a controvérsia centra-se numa possível flexibilização interpretativas do que estabelece a Lei nº 4591/64, o Código Civil e as Convenções de Condomínio, mesmo que seja entendimento comum que a colocação ou retirada de quaisquer fatos estranho ao padrão original implique em alteração de fachada. Exemplos são os mais diversos, ilustrativamente, se tomem a colocação de toldo, ampliação de área construída, substituição de pastilha cerâmica por emboço ou pintura da cor da fachada em desacordo com o projeto original entre outros. A ocorrência de algumas dessas situações ou assemelhadas requerem o consentimento unânime dos condôminos, “uma vez que a alteração da fachada e de partes externas pode provocar desvalorização para as unidades autônomas ou impor ônus indevido para os demais condôminos, no caso de terem de arcar com obras particulares para a manutenção do conjunto arquitetônico” [10].

As alterações desautorizadas de fachada, estética e”requisitos arquitetônicos“do edifício são coibidas, como dispunha o Decreto 5491/28, bem como o atual Código Civil (art. 1.336, inc. III) e a Lei nº 4.591/64 (art. 10, incs. I e II) que proíbem expressamente as alterações na fachada. As Convenções de Condomínio, por seu turno, invariavelmente, expressam vedação à alteração de fachada sem a aprovação dos demais condôminos para a realização de obras que afetem a fachada do edifício. Em regra versam no seguinte sentido: “Será exigido o consentimento e a aprovação unânime dos condôminos sobre deliberação das matérias ou assuntos, a saber: alteração das partes comuns e aquelas que digam respeito à harmonia e estética do edifício, assim como suas partes divisórias”.

Neste ponto merece lembrança o escólio de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery de que “Não pode o condômino alterar a fachada de edifício, a menos que conte com a aprovação dos demais, por se tratar de um bem comum a todos os coproprietários, não sendo o uso da coisa, máxime em tema de propriedade condominial, irrestrito, quer por força de lei, quer em razão do contido na convenção”. [11]

Da mesma forma, Sílvio de Salvo Venosa ensina que: “O art. 10 da lei anterior e o art. 1.336, II, proíbem o condômino de alterar a forma externa da fachada. Isso inclui pintura de cor diferente do padrão do edifício, diferentes luminárias, inclusão de cartazes, caixilhos diferentes dos aprovados etc. O condômino poderá, no entanto, alterar a fachada com a ‘aquiescência unânime dos condôminos’ (art. 10, § 2º, da Lei anterior)”. [12]

A questão remanescente, pois, se prende a eventual discrepância entre as leis e o escrito na Convenção de Condomínio que pode estabelecer o quórum de 2/3 dos condôminos ou a unanimidade de condôminos para alterar a fachada. O parágrafo 2º, do art. 10 da Lei nº 4.591/64 observa que o proprietário poderá modificar sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos. Já o art. 1.336 do Código Civil proíbe a alteração da fachada, exceto se esta for aprovada em assembleia, sem referenciar a unanimidade.

 

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O que prevalece, então, os 2/3 (dois terços) ou a unanimidade dos condôminos? Há quem entenda que se a alteração da área comum beneficiar o edifício e for devidamente aprovada por assembleia regular e formalmente instituída para cuidar especificamente do assunto a alteração poderá ser lícita e, portanto, permitida, como tem decidido o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao ver das decisões nos autos TJESP, Ap. 158.374-2, 16 ª C. (Possibilidade, no entanto, de alteração, através de assembleia feita de modo regular, nos termos da lei e da convenção vigente), TJESP, Ap. 116.406-2, 16ª C (Valorização da fachada, bem como no da inocorrência de comprometimento estético do conjunto) e TJESP, Ap. 200.225-2, 15ª C. (Basta a deliberação por quorum não qualificado à aprovação da reforma).

Por outro lado a jurisprudência do TJ-SC deu cores diversas à questão, decidindo pelo desfazimento da obra que se tenha realizado em desacordo com a unanimidade requerida na Lei. O exemplo vem da Apelação Cível nº 2004.006192-7, da comarca de Balneário Camboriú (SC), onde o Desembargador Wilson Augusto do Nascimento anotou que “Deve o condômino desfazer a obra que altera a fachada de condomínio residencial, realizada sem a aquiescência dos demais condôminos, promovida ao arrepio do art. 10 da Lei n. 4.591/64. O tribunal em outra decisão estabeleceu nos autos de Apelação civil de ação demolitória que “Sem a anuência da unanimidade dos condôminos é irregular a obra que dá destinação diversa para a área de uso comum e altera a fachada do edifício.”

Para dirimir as dúvidas restadas veja-se o que traz em decisão o REsp 1483733/RJ. Pelo acórdão, o STJ consolidou o entendimento de que condômino ou condomínio não podem alterar a fachada sem a aquiescência da unanimidade dos condôminos: ”É possível a modificação de fachada desde que autorizada pela unanimidade dos condôminos (art. 10, § 2º, da Lei nº 4.591/1946”). E mais: “A mudança na cor original das esquadrias externas, fora do padrão arquitetônico do edifício e não autorizada pela unanimidade dos condôminos, caracteriza alteração de fachada, passível de desfazimento, por ofensa aos arts. 1.336III, do Código Civil e 10 da Lei nº 4.591/1964.” [13]

Por esta interpretação fica claro que se eventualmente um morador ou o condomínio alterar a fachada do prédio sem autorização unânime dos condôminos, o síndico deve, no caso de alteração realizada pelo condômino, advertir formalmente o morador e, no caso do condomínio, qualquer condômino notificar o síndico de preferência extrajudicialmente. Em ambos os casos deve se conceder prazo razoável para o desfazimento da alteração.

Não havendo efeito no prazo concedido, deve ser aplicada multa ao condômino transgressor e persistindo, o síndico deve ingressar com ação judicial contra o condômino para desfazimento de obra que alterou a fachada do condomínio. Idêntico tratamento jurídico deverá ser dispensado por qualquer condômino em face ao sindico que agir com excesso de mandato, autorizando reforma com alteração de fachada, inclusive modificando a cor original. Observe-se que a repintura com a cor original, tida como manutenção ou conservação, independe da unanimidade dos condôminos, tratando-se de obras necessárias que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Finalizando a argumentação de que a “fachada do edifício é um bem comum a todos os coproprietários, e, como tal, não pode qualquer condômino nela inovar sem o consentimento dos demais”, [14] tenha-se que em 21.06.2016, visando à reforma de aspectos da legislação condominial para permitir a mudança da fachada de imóvel com a concordância de ¾ (três quartos) dos condôminos, ao invés da unanimidade atual, o deputado Miguel Haddad (PSDB-SP), apresentou em 2016 o Projeto de Lei [15] em cuja justificação consta: “Naqueles condomínios que se constituem de edifícios de dois ou mais pavimentos, retira-se, igualmente, a exigência da unanimidade, mas se preserva um quórum alto, de três quartos, para a execução de obras que modifiquem a fachada.” A matéria continua em tramitação, aguardando a apreciação do Senado Federal, após apreciação conclusiva pelas Comissões.[16]

Dessa forma, permanece o entendimento de que a alteração de fachadas, mesmo por cores diferentes [17] somente será possível, mediante a autorização da unanimidade dos condôminos, isto de acordo com o STJ, que dispensou à matéria título de ordem pública.


[1] MENDES, Cesar Miranda. A verticalização na Cidade Jardim‐Maringá: a descaracterização de um plano. SCARLATO, Francisco Capuano; SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia de; ARROYO, Monica. Globalização e espaço latino‐ americano. São Paulo: Hucitec, Anpur, 1997.

[2] Embora a construção de edifícios com mais de quatro andares na área central da cidade de São Paulo remonte à década de 1910, tal processo circunscreveu-se, então, a iniciativas pontuais e a edifícios de escritórios. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142008000100004#back6. Acesso em: 20 ago. 2018.

[3] BRASIL. Câmara dos Deputados. Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928. Dispõe sobre a alienação parcial dos edifícios de mais de cinco andares e dá outras providencias. Coleção de Leis do Brasil. 1928, Página 108 Vol. I (Publicação Original) Situação: Não consta revogação expressa

[4] A Lei do Inquilinato foi, inicialmente, um produto da guerra. Preocupado em que a escassez dos fatores de produção durante a conflagração mundial conduzisse a uma anormal elevação de preços, o Governo tentou congelá-los em amplos setores de nossa economia e, daí, a promulgação do Decreto-lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942. Ver em: KINGSTON,Jorge. A lei do inquilinato um caso de patologia econômica. Revista brasileira de economia. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/viewFile/1835/2699. Acesso em: 20 ago. 2018.

[5] IDEM.

[6] STF. RE: 71285 PR, Relator: Min. Antonio Neder, Data de Julgamento: 18.10.1974, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 18.11.1974.

[7] A frase portuguesa sobredita significa que tudo permanece sempre na mesma, sem alteração.

[8] KARPAT, Rodrigo. Alteração de Fachada no Condomínio. Disponível em: https://www.karpat.adv.br/alteracao-de-fachada-no-condomínio/ Acesso em: 20 ago. 2018.

[9] STJ. REsp 1483733, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 01.09.2015.

[10] TJ-SP 10009245320178260695 SP 1000924-53.2017.8.26.0695, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 23/01/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23.01.2018.

[11] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.058.

[12] VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 1.344.

[13] STJ. REsp 1483733/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 25.08.2015, DJe 01.09.2015.

[14] PEREIRA. Caio Mario da Silva. Condomínio e incorporações. 11. ed. Ver. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

[15] CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL 5645/2016. Altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias Autor Miguel Haddad – PSDB/SP. Apresentação em 21.06.2016. Disponível em: https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2088940. Acesso em: 26. ago. 2018.

[16] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Ata da 6ª Reunião Ordinária realizada em 27 de março de 2019. Disponível em: https://www.câmara.leg.br/internet/ordemdodia/integras/1724463.htm. Acesso em: 23 ago. 2018.

[17] A alteração de cores do revestimento pode não ser considerada alteração de fachada, na medida em que a especificação não se encontre no memorial descritivo que trata das características construtivas, tanto nas áreas comuns, quanto nas áreas privativas.

José Erigutemberg Meneses de Lima
Fonte: Jusbrasil

 

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